14/10/2019

MEDIOCRIDADE...


MEDIOCRIDADE...

...é um fato consumado
Na sociedade, cujo ar é depravado.
Marido rico, burguesão despreocupado,
Que foi casado com mulher burra, mas bela,
E o filho dela é político ou tarado.
Caixinha, obrigado!

A situação do Brasil vai muito mal.
Qualquer ladrão é patente nacional.
O policial quase sempre é uma ilusão,
E a condução é artigo racionado.
Porém ladrão, isto tem prá todo o lado.
Caixinha, obrigado!

Prezados, 

Duas más notícias: tive sérios problemas de saúde praticamente contínuos nos últimos 13 meses, e interrompi as escritas de minhas crônicas.

Duas ótimas notícias: minha saúde está recuperada, problemas resolvidos, e estou retomando minhas atividades de escriba.

Foi um período difícil; talvez venha a merecer uma crônica, mas não creio nisto por enquanto. Seria o retrato de um período com excesso de stress e sofrimentos, e por isto o interesse para o leitor talvez seja restrito (ou nulo?).

E o reinício veio com uma das obras do genial Juca Chaves, reproduzida parcialmente acima. Sou fã deste gênio desde a década 1950, seja no seu estilo “menestrel maldito” com críticas à realidade feitas de forma contundente a tudo que mereça ser criticado, seja no seu lado lírico, no qual existem obras de grande beleza e inspiração. 

E o que me levou a esta forma de iniciar? Tenho facilidade de associar palavras ou fatos a músicas antigas. E, ao ver uma Estação de Metrô inaugurada quase na porta de casa, a Estação Campo Belo, lembrei-me do trecho “e a condução é artigo racionado”. E aí as memórias vieram: minha forte participação na história do Metrô de São Paulo fez avivarem lembranças que passo a relatar, principalmente a razão do título/tema escolhido.


Começo relembrando a situação político-administrativa da Prefeitura de São Paulo. Era o período do regime militar, no qual foi estabelecida a eleição indireta para as capitais dos estados e para as cidades estratégicas. O Prefeito de São Paulo era o ilustre Eng. José Carlos de Figueiredo Ferraz, um dos profissionais mais capazes e respeitados do Brasil, e que vinha executando uma administração exemplar. Deixou marcas indeléveis de sua administração; São Paulo deve muito ao Ferraz. No entanto, em contrapartida, o Governo do Estado tinha um desempenho absolutamente medíocre; era o Governador Laudo Natel.

A soma da inveja do Governador face a atuação do Prefeito com a pressão de fortes grupos empresariais prejudicados (exemplo gritante, entre muitos outros: o fortalecimento da Comgás – Companhia Municipal de Gás, com imensos benefícios à população, mas prejudicial às grandes distribuidoras) levou-o a exonerar o Prefeito, substituindo-o pelo Economista Miguel Colassuono. Nome respeitado no meio de economistas, jovem afável e simpático, mas com experiência nula em cargos públicos, assume a Prefeitura de uma das maiores cidades do mundo.

O impacto na Companhia do Metrô (na época era ainda uma empresa municipal) foi imediato. O ilustre consultor do Metrô, Eng. Vitor Melo (Victor Froiliano Beckman de Mello), dotado de uma retórica riquíssima, tentou organizar um movimento de protesto com a participação dos Engenheiros da Companhia, com o princípio  que o gesto do Governador tinha sido uma agressão à cidade; para a época, porém, isto apesar de basear-se em fatos, era algo utópico.

Agora virá a explicação do título desta crônica, MEDIOCRIDADE.... Era o início do ano de 1973; em uma reunião dos técnicos da Companhia do Metrô com a Diretoria estava sendo apresentado e discutido o complexo cronograma de início da operação comercial.

Ficou definido que haveria condições de início para cerca de um ano e meio depois, 31 de agosto de 1974, para um trecho parcial da Linha Norte-Sul (linha azul), da Estação Vila Mariana até o Terminal Jabaquara. Seria um fato de imenso valor histórico para São Paulo: primeiro Metrô do Brasil, uma das maiores metrópoles, com atraso superior a 100 anos na comparação com as principais cidades do mundo.

Na conclusão, o Presidente Plínio Assmann telefonou ao Prefeito Colassuono informando-o, indagando se gostaria de marcar uma solenidade e sugerindo uma data próxima, por exemplo o dia 7 de setembro para tão importante evento.

Resposta do Prefeito Miguel Colassuono: obrigado, Presidente. Vamos aproveitar e fazer uma homenagem ao nosso Governador: pode marcar a solenidade e início da operação para 14 de setembro, dia do aniversário do Governador Laudo Natel. O impacto e desencanto dos cerca de 20 presentes foi fulminante; utilizar um patrimônio público de imenso valor e necessidade para exercer um “puxa-saquismo” explícito, como gratidão a quem o “presenteou” com a Prefeitura de São Paulo é... MEDÍOCRE!!!!! A importância do Metrô era tão respeitada e admirada por todos os funcionários, que a partir desta definição, em todas as salas e corredores da Companhia tinha placas, atualizadas diariamente, informando que “FALTAM ........ DIAS PARA A INAUGURAÇÃO DO METRÔ”, desde cerca de 550 dias até 1 dia.

Pertenço a uma raça e cultura, árabe, onde o sentimento de gratidão é dos mais nobres, e obrigatório para um bom libanês; mas isto é aceitável e elogiável utilizando-se gestos pessoais de gratidão, e jamais um bem público desta importância. Claro que não poderia faltar, após isto, o espírito criativo do brasileiro: o assunto, na Companhia, virou uma mistura das maiores críticas com piadas.

Tenho um imenso orgulho de minha fortíssima participação na implantação do Metrô de São Paulo; mas, quando leio qualquer referência à inauguração da primeira linha de Metrô do Brasil, sinto uma profunda VERGONHA de ter assistido a este lamentável exemplo de MEDIOCRIDADE!



04/12/2018

Praia do Cassino


Prezados, 

A Praia do Cassino está localizada na cidade de Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. Com mais de cem anos, é considerado o balneário marítimo mais antigo do Brasil (1890). Seu início fica a 22 quilômetros do centro da cidade de Rio Grande. Segundo o Guinness Book é a maior praia em extensão do mundo.


O balneário foi criado para ser um centro de turismo pela Companhia de Bondes Suburbanos da Mangueira, subsidiária da Companhia Carris Urbanos, tomando vantagem da linha férrea entre Bagé e Rio Grande, que foi depois expandida até a então Costa da Mangueira.





O diretor da companhia, Antônio Cândido Sequeira, buscou investidores entre os membros da sociedade do Rio Grande e, com apoio do governo estadual, conseguiu desapropriar as terras do local, visando a criar um balneário nos moldes dos que existiam na Europa e no Uruguai. Ao ser inaugurado em 26 de janeiro de 1890, abrangia três quilômetros ao longo da costa por dois quilômetros de largura, cortados ao meio por uma linha férrea que levava ao Centro do Rio Grande. Mais tarde, recebeu a denominação de Villa Sequeira, em homenagem ao seu idealizador.

O bairro - balneário tornou-se o centro de lazer de grandes empresários - em geral descendentes de alemães, portugueses, ingleses ou italianos que vinham com muito dinheiro para o Hotel Atlântico.

Cerca de dois quilômetros passando o navio encalhado, existem ruínas daquele que, segundo os moradores mais antigos, viria a ser um imenso cassino que, devido à perseguição a italianos e alemães durante a Segunda Guerra Mundial e a proibição do jogo de roleta em 1946, causaram danos à economia local e o abandono da construção. Existem ruínas de outra construção similar indo na direção dos molhes da barra, onde é possível localizar ao visualizar uma caixa d'água abandonada a meio caminho dos molhes. Atualmente, ambas as ruínas estão semi cobertas pela areia, quase desaparecidas.

Há muitos anos, o bairro balneário conseguiu reverter a má situação com uma série de atrações e curiosidades turísticas.


Em 12 de novembro de 1966, foi cenário de lançamentos de foguetes da NASA, durante um eclipse total do Sol, reunindo cientistas e populares. Dezenas de técnicos e cientistas norte-americanos, japoneses e europeus desembarcaram em Rio Grande, transformando-a na primeira cidade brasileira usada para lançamento de foguetes da agência espacial norte-americana.

Consta no Guiness Book (Livro dos Recordes) como a maior praia em extensão do mundo - tendo assim mais de 254 km de comprimento, estendendo-se desde a cidade do Rio Grande até o Chuí.
(fonte: wikipedia)

Não deixe de visitar!

24/09/2018

CÂMARA DO COMÉRCIO HOMENAGEIA - Parte III



Prezados,

Continuo aqui a terceira e última parte da postagem, "Câmara do Comércio Homenageia"

Aí, em 1958 eu fui para São Paulo fui estudar, fazer o colegial. Porque São Paulo e não Porto Alegre que seria o caminho natural? Em São Paulo nós tínhamos parentes, tínhamos amigos, meu pai tinha um pequeno comércio em sociedade com um primo e as compras para as lojas eram feitas em São Paulo. Em Porto Alegre nós não tínhamos nada disso. Então, eu fui para São Paulo, fui interno num colégio Marista por 1 ano e meio, o Arquidiocesano; naquele tempo, os que me conhecem da época devem lembrar, eu tinha um pouco mais de cabelos e um pouco menos de quilos, eu tinha uma cabeleira á la Elvis Presley; acreditem se quiser, eu tinha uma cabeleira a la Elvis Presley...


Fui interno no Colégio Arquidiocesano de São Paulo, colégio Marista, centenário, um grande colégio; tenho passagens marcantes no Arquidiocesano, um aprendizado fantástico, não só de matemática, física e de português, mas de tudo. No Arqui nós visitávamos museus, nos levavam a sessões de teatro, visitávamos indústrias, eu vi pela primeira vez funcionar um teletipo. Eu tinha 15 anos, vi um teletipo numa visita ao jornal; estava sendo feito o Estadão de Domingo, que é um calhamaço famoso, né, não sei quantos quilos de jornal, centenas de páginas e estava recebendo um teletipo de Nova York, eu vi aquilo e aquilo para um guri de 15 anos é... fantástico!

Na época, através de uma academia literária que nós tínhamos, tivemos um contato muito próximo, até de visita às residências, de dois grandes nomes que foram o poeta Guilherme de Almeida e o filólogo Francisco Silveira Bueno, autor de livros; alguns dos presentes devem ter estudado pelos livros do Silveira Bueno. Através do Arquidiocesano nós tínhamos esses contatos muito amplos.

São Paulo tinha então menos de 3 milhões de habitantes, eu vi São Paulo crescer, era menor que o Rio de Janeiro; e o Rio Grande do Sul era muito desconhecido, não existia a integração que a televisão trouxe hoje. Só tinha um gaúcho lá no Arqui, que era de Pelotas, o Sérgio Soares Olivé Leite; era o único gaúcho que tinha lá, o segundo fui eu.

Naquela época tinha, aos domingos, o que é hoje a feira da Praça da República e hoje tantas outras feiras, ainda não existiam as feirinhas – aos domingos começou na Praça da República a troca de selos e troca de moedas dos colecionadores. Eu tinha coleção de selos na época, aliás, com muito orgulho, mostrava para todo o mundo, levei para São Paulo, sabe o que? Um selo centenário da Câmara de Comércio, eu tenho ainda esse selo, 1944, quando era o seu centenário e que trás a fotografia desse prédio, eu mostrava isso em São Paulo com todo o orgulho aos meus amigos “olha, eu sou daqui, olha esse selo” ... era um orgulho.

Um programa cultural muito bonito que tinha em São Paulo era no Teatro Municipal, que era de graça e na época era muito importante ser de graça. No Teatro Municipal aos domingos, “Concertos para a Juventude”, com o maestro Armando Bellardi.
Então eu acho que de Curso Colegial chega, acho que já está bom.

Aí chegou a faculdade, fiz vestibular para a Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, fui aprovado numa colocação boa, 48º em 270 que me permitia escolher qualquer curso. O xodó da época era elétrica   e mecânica. Era 1960, 61 e estava se implantado o setor automobilístico, o governo Juscelino tinha aquela explosão, mas eu queria engenharia civil. Todo mundo estranhou, falou: Mas pô, você pode escolher mecânica, mas eu queria realmente engenharia civil.


Veio a década de 60, quando eu fiz a faculdade; foi uma década muito, muito agitada. Agitação política e para São Paulo uma agitação cultural muito grande. Os que tem mais idade lembram de uma frase famosa do Vinícius: “São Paulo é o túmulo do samba”. Pois bem, na década de 60, São Paulo começou a despertar e passou a ser um centro cultural importante. Existem bares em São Paulo, da época, que me marcaram, marcaram uma história e uma época. O teatro de Arena, com importante atuação política, o João Sebastião Bar, o Jogral; jogral era um bar fantástico, o dono era um compositor, o Luís Carlos Paraná e frequentavam lá o Vanzolini, o Chico Buarque, Geraldo Vandré e eu comecei a ir no Jogral levado pelas mãos de um rio-grandino, ele já morava em São Paulo, com 9 anos a mais do que eu de  idade; além do meu pai, ele foi um segundo pai para mim, que é o Adib Salomão. Então, com o Adib e a Juçara eu passei a frequentar o Jogral. Lá no Jogral é que foi comemorada a vitória da Banda e da Disparada no  festival da Record.

Bom, aí... eu concluí a faculdade, a Escola Politécnica, entrei na carreira profissional. Ah! Eu tenho um negocinho interessante que eu gostaria de falar, a sensação, aquela história, a primeira vez a gente nunca esquece; eu tinha 16 anos e dava aulas particulares para ganhar um dinheirinho a mais e gostava de lecionar; a mãe de um aluno a quem eu dava aulas em casa me chamou de professor e de senhor, isso aí, para um guri de 16 anos, a primeira vez que me chamaram de senhor e de professor, é um negócio que marca.

Bem,  vamos voltar para a minha profissão... me formei, engenharia civil, comecei a ter uma carreira normal, e aí, um fato estranho: eu gostava, eu sempre gostei de lecionar e fui bom aluno, sempre tirei boas notas, no colégio, na faculdade, tinha facilidade para Matemática e Física e tudo indicava que eu iria para uma carreira acadêmica, que iria defender teses, me tornar doutor, mestrado, etc., tudo indicava e eu acho que até iria gostar disso. A Cláudia disse um negócio aí, que é absoluta verdade; A Cláudia disse que muitas vezes a carreira da gente vem de circunstâncias, né? Ela encontrou alguém que disse: “você vai fazer mestrado?”, nem sabia o que era e acabou fazendo. Então, a carreira da gente acaba sendo dirigida meio por uma circunstância, por contingências.
          (Exclusão 2)

Então, por essas contingências, eu segui uma carreira mais de execução; eu realmente tenho um currículo muito pobre, extremamente pobre e modesto em matéria acadêmica. Não tem nenhum título, nenhum doutorado... Na área de execução ela se torna um pouco substanciosa; começou a crescer, a alçar vôo para esse caminho na companhia do Metrô de São Paulo. Primeiro Metrô do Brasil, era um negócio desconhecido, ninguém tinha muita ideia do que era, o que seria o Metrô; e foi uma experiência fantástica. O Metrô foi uma escola de tudo, uma escola de engenharia, uma escola de tecnologia, uma escola de administração pública. Hoje, muitos quadros de administração pública pertenceram à Companhia do Metrô de São Paulo, muitos quadros e foi uma escola de relações humanas.

E eu ocupei posições importantes no Metrô; uma característica do Metrô, é a de ser um trabalho de equipe. Então, quando eu digo -a minha mãe não achava, minha mãe dizia, evidentemente, como toda mãe, “o meu filho construiu o Metrô de São Paulo!” Mãe é MÃE!

Mas realmente, essa questão de equipe, no Metrô era muito forte. Hoje, o ministro recém assumido, o Tápias, disse que fechou um acordo com os demais ministros e com o presidente e as divergências seriam discutidas internamente e não seriam levadas a público; e em público, todos teriam a mesma posição. Isso a gente já fazia no Metrô da época. Eu, em posições de gerência e de coordenador, muitas vezes tive que defender questões que eu tinha lutado contra.

Como um exemplo, a estação República. Eu tinha voltado de um período de três meses no Japão, a serviço do Metrô e em seguida, no dia que eu cheguei tive que assumir a coordenação do projeto Estação República, que já estava em andamento e que previa a demolição do Colégio Caetano de Campos, um colégio que era uma história, uma tradição e a população, através de suas entidades já havia se levantado, a sociedade toda contra a demolição do Caetano de Campos. A cidade já estava em polvorosa, quando eu tive que assumir essa coordenação. Quando tomei conhecimento dos detalhes que me passaram, achei um absurdo demolir o Caetano de Campos. Existem soluções boas que resolvem e não precisa demolir. E eu estava voltando do Japão, os japoneses são muito desenvolvidos nas questões de métodos construtivos, têm problemas de espaço e métodos que preservam, eles faziam coisas fantásticas, passaram embaixo do Palácio Imperial sem mexer no Palácio; então existiam soluções boas para o Caetano. “Não, mas agora a palavra do presidente da Companhia já está empenhada perante a opinião pública, precisa demolir”. Aí eu disse: “Não, precisa demolir, porque não tem outra solução”, mas eu era contra; é mais ou menos o que o Tápias está fazendo hoje, na Companhia do Metrô nós já fazíamos há 25 anos.

Outra historinha... Metrô é um assunto que eu fico tão à vontade, eu dei muitas palestras, ministrei cursos de Metrô; Metrô é uma pequena máfia que envolve os Metrôs do mundo inteiro, se correspondem, se reúnem, então existem congressos, eu fico tão a vontade nisso que eu tenho a tentação de ficar algumas horas aqui, mas eu vou me policiar, só vou contar uma historinha mais.
Estação Anhangabaú do Metrô. Isso aí é para quem precisa de vez em quando fazer um relatório, essa historinha é uma lição para quem precisa saber o tamanho de um relatório. Qual é o tamanho ideal para um relatório? 10 páginas, 100 páginas ou 1000 páginas?
Bom, a Estação Anhangabaú era polêmica. O projeto inicial de um grupo alemão, previa a Estação- típico de um projeto europeu, o Metrô de baixa capacidade-; em 72, com uma alteração do projeto foi eliminada a Anhangabaú, por um novo conceito, mas o assunto virou polêmica e ficou.

Em 1975 o então prefeito Setúbal, quis retomar os estudos do Anhangabaú. O Presidente da Companhia, o grande engenheiro Souza Dias, responsável por todo o projeto de eletrificação do Estado de São Paulo e todas aquelas grandes usinas, me chamou e disse:
“ Jasel, preciso de um estudo, o prefeito quer saber sobre a estação. Anhangabaú, se faz ou não se faz? Tem gente que diz que faz, outros não. Ele quer saber.”
 “Tá bom, Presidente, eu vou fazer um trabalho, assim... e disse para o que eu iria fazer, né?”

Era um trabalho de arquiteto, de urbanista, de especialista em traçado, especialista em transporte, o Metrô passando um conceito global em transporte da cidade, enfim, um estudo abrangente, tá bom assim?”, “Tá bom!” “Dois meses tá bom, Dr. Souza Dias?” Ele disse não! Hoje é segunda-feira, tenho uma reunião com o prefeito sexta, na sexta eu preciso levar esse trabalho. Ele me disse: “Jasel, sabe qual é o tamanho ideal de um relatório?” Essa é a lição: “é o tamanho de uma saia de mulher, tem que ser suficientemente curto para ser atraente e suficientemente longo para ser decente.”
“Jasel, o prefeito vai ler esse relatório. Baseado nessa leitura ele vai decidir se existe ou não.” Aí, fiz o relatório, sucinto, com dez páginas, mas bem abrangente. Eu fiz... quando falo “eu fiz”, desculpem fizemos, fizemos um trabalho de equipe, mas vocês entenderam. 
Então, fizemos um relatório, dez páginas, pediu-me para esperar, depois que voltou ás 7 horas da noite me disse: “Jasel, o prefeito leu inteiro o relatório. Então o relatório estava na medida certa”. Aprovou e mandou fazer, mandou tocar a Estação Anhangabaú. Aliás, nessa Estação, o que eu tenho orgulho é também o seguinte: nós fizemos a estimativa de custos, evidentemente num prazo curto, a partir do zero; o período foi de bem pouco tempo e a Estação foi contratada por um valor 5% abaixo; isto, em engenharia, é considerado “acertar na mosca”, apenas 5% de diferença de uma estimativa preliminar. Esse é um dos orgulhos que eu tenho, entre tantos outros, esse trabalho da Estação Anhangabaú. Bom, acho que chega de Metrô, né? A Companhia do Metrô poderia ir longe, mas vamos em frente.

Eu assumi uma diretoria de engenharia do DAEE, Departamento de Águas e Energia Elétrica, no governo Montoro, governador Franco Montoro. Eu aproveito o momento para dar um testemunho sobre Franco Montoro. Ele faleceu, recentemente, em julho e foi dito muita coisa bonita, muita gente declarou, etc. E o testemunho que eu quero dar é que tudo o que foi dito é verdade. E muito mais. Para mim foi um privilégio trabalhar com o governador Franco Montoro, um dos homens mais decentes, mais corretos que eu conheci na minha vida. No DAEE, rapidamente também, fizemos muito, foi um trabalho fantástico e o governador Montoro conseguiu uma obra ímpar no mundo: transformar Cubatão, que era chamada “a cidade da morte”, pela poluição, numa cidade padrão de ecologia. Ele despoluiu Cubatão. Isso foi trabalho do governo Franco Montoro.

Bom, lá no DAEE, entre outros tantos trabalhos, chamam a atenção as duas maiores obras urbanas do Brasil: a canalização do rio Tamanduateí que eliminou integralmente as famosas enchentes do centro e da região do mercado; hoje, quando vocês veem enchentes em São Paulo, no noticiário, aquela região, naquela obra que nós fizemos, no Tamanduateí, não tem mais; elas continuaram, mas em outras áreas. E no Tietê, fizemos um grande projeto de acabar com as enchentes e despoluir e que está em andamento; hoje temos financiamento japonês, muito grande; é demorado, mas também vai resolver o problema.

Também fui consultor de muitas empresas. Fui conselheiro do CREA, fui Diretor da Associação dos Engenheiros. Fui consultor de várias empresas e uma das minhas consultorias foi coordenar uma concorrência na Nigéria para construção de uma ferrovia. Nós ganhamos a concorrência; este também é um orgulho que eu tenho no meu currículo. Nós ganhamos a concorrência porque fizemos uma alteração no projeto que reduziu substancialmente o custo.
É um projeto aí da faixa de uns 700 milhões de dólares, uma grande ferrovia na Nigéria e graças a uma alteração no projeto que nós fizemos... Aí depois fomos tentar descobrir porque tinha aquele projeto anterior, que previa o uso de grandes camisas metálicas para execução de fundações: havia 50 pontes ou viadutos nesse projeto. Todas as fundações eram feitas com grandes camisas metálicas, de 1 cm, 1,5 cm de espessura que seriam fornecidas pelo país da empresa que estava coordenando essa concorrência para a Nigéria. Então, a Nigéria contratou uma empresa para coordenar essa concorrência e o fornecedor desse aço seria aquele país ao qual pertencia a empresa.

Nós demolimos esse “lobby” – defendendo o projeto-, a favor da Nigéria e ganhamos a concorrência. Bom, por razões políticas, infelizmente a empresa não levou porque mudou o governo, houve um golpe de Estado e tudo o que estava lá na Nigéria do governo anterior quebrou, até hoje não fizeram essa ferrovia.

Uma das lições do Metrô -eu tinha terminado o Metrô, mas tem uma liçãozinha aqui- foram os estudos de viabilidade. Fizemos vários e aprendemos que o sucesso de um estudo de viabilidade para um órgão financiador é saber avaliar:
1- Quem é o órgão financiador e qual a sua característica: se é um órgão que tem mais visão social, se é um órgão que tem mais visão monetarista;
2- Uma avaliação muito importante é a tendência da época; então, na década de 70, um estudo de viabilidade tinha que dar enfoque especialíssimo para a economia de petróleo; na década de 80, para a preservação do meio ambiente; 90, para a geração de emprego. Então, em qualquer estudo de viabilidade precisa dedicar de forma especial qual a tendência da época, qual é o grande problema. Hoje é preservação ambiental e geração de emprego.

Aí, do DAEE, eu passei para Diretor de Engenharia de uma Empresa do Governo de Estado, chamada CPOS – Companhia Paulista de Obras e Serviços, uma empresa fantástica que assumiu todas as obras do Governo do Estado, à exceção de obras especiais como habitação, usinas e saneamento. Era uma empresa nova, então eu participei da primeira Diretoria. E isso foi muito interessante: criar uma empresa é uma experiência especial em termos de Administração Pública. Como obras que chamam a atenção, lá no CPOS, posso citar o Memorial da América Latina e o Parlamento Latino-Americano, obras fantásticas, como o projeto em si, do Niemayer, como Engenharia, mas principalmente como concepção, como ideia do genial Darcy Ribeiro.

Após a CPOS, passei a Diretor da CDHU, Empresa responsável pelo Programa de Habitação Popular do Estado de São Paulo. Desde o início do Programa, em 1949, até 1995, foram construídas 180 mil unidades habitacionais; nestes 4 anos, mais 120 mil.
              (Exclusão 3)

Bem, acho que já falei muito de carreira; quero agora falar um pouco de mim. Não considero como meu maior sucesso as minhas realizações profissionais, mas o equilíbrio e harmonia que consegui sabendo dosar a dedicação ao trabalho, à família e ao lazer. Minhas filhas conhecem do mundo o que poucas pessoas na idade delas já viajaram.
De tudo o que eu falei, falei tão bonito assim, de mim, falei até com orgulho de mim, da carreira, dos sucessos, então vocês devem dizer: “O Jasel está bem, né?” Mas não estou, não! O Jasel não está.

Primeiro porque o núcleo onde eu nasci, as seis pessoas, meus pais e meus três irmãos faleceram todos. Meus irmãos não se casaram, não deixaram cunhadas, não deixaram sobrinhos, e isto é uma sensação muito estranha.
Segundo eu não estou bem também, por que não se pode estar bem, - eu tenho, apesar da minha carreira ser na área de engenharia, uma formação básica humanística, uma formação básica religiosa- não posso estar bem vendo os problemas do nosso país, os problemas do mundo, vendo as dificuldades dos meus semelhantes, vendo a violência, o desemprego.

Desemprego é um negócio que me machuca. Eu tenho feito a minha parte; resolvi manter a loja aqui em Rio Grande, o valor da tradição da loja, o nome, etc., mas também para ajudar a população vendendo – vou fazer um pouco de publicidade aqui, né? – vendendo camisetas a 1 real. Acho que com isso eu estou ajudando a população e de duas funcionárias, passei para cinco funcionárias. Todos conhecem a história do passarinho, do incêndio na floresta: o passarinho, com uma gotinha d’água, tentava apagar o incêndio e outros animais diziam: “ô passarinho, estás perdendo teu tempo!” e ele disse; “Não, a minha parte eu faço.”

Então, eu sou um passarinho tentando apagar o incêndio na floresta, a minha parte contra o desemprego eu faço. E nos cargos que eu ocupei, também a minha parte eu fiz. Só que aí com maior força. Eu sempre procurei privilegiar o que gerasse emprego. Mas, se eu não estou bem, estou otimista. Engraçado isso, né? Otimista e esperançoso. Porque eu confio no povo brasileiro e mais do que no povo brasileiro, confio no povo gaúcho, o povo da minha terra.

Confio muito. Eu tive muitas sortes e uma delas foi nascer em Rio Grande. Não é demagogia, não sou político, os meus amigos mais íntimos sabem que eu estou sendo sincero. Eu tenho orgulho de ter nascido em Rio Grande e um dos pontos fortes daqui é o povo. Que povo fantástico! Alguém perguntou ali na frente, na-entrada: “Como é, Jasel, tá muito nervoso?” Eu disse não, nem um pouco, nervoso não, mas mesmo que eu tivesse, só de chegar aqui e encontrar esse carinho, essa solidariedade, eu já teria deixado de ficar nervoso. Um dos pontos fortes daqui é o nosso povo. Dificuldades todos passam.

Quando a gente lembra que a Suécia, por exemplo, que é hoje um padrão de país desenvolvido, nasceu de um dos povos mais violentos, os Vikings; da Revolução Francesa, uma das mais violentas; e hoje são povos que estão entre os de melhor padrão de vida no mundo, a gente pensa que faz parte da história de cada povo um momento difícil. O momento difícil que estamos vivendo nós vamos superar. Vamos superar graças ao povo. Eu acho que um país só pode ser digno se conseguir dar uma vida digna para seu povo.
     (Exclusão 4)

Agora eu quero concluir.
Quero dar os parabéns à Dra. Claudia Simões, ao Ministro Ernesto Rubarth e aos seus familiares. Parabéns a esta Casa e aos seus 155 anos. Eu vou guardar com muito carinho esta solidariedade de todos vocês.
Algumas palavras para a Câmara de Comércio. Aí, eu vou fazer aquilo que os estudantes fazem e que eu fiz também, que é colar. Eu vou fazer uma cola de um trabalho que eu li, trabalho desta Casa e chega a um ponto que ele diz, e quero ler de pé:
          (Deste momento até o fim, de pé)
“E o trabalho fecundo e discreto dos homens de boa vontade que, como presidentes e diretores sempre estiveram norteando os destinos dessa prestigiosa entidade, cresce, aumenta e se avoluma extraordinariamente quando tem sido prestado sem a menor parcela de interesse ou visando honrarias pessoais, mas apenas e simplesmente buscando o engrandecimento material, moral, cultural e financeiro de nossa terra.”

Concluo dizendo que  recebo   com muita humildade,    porque esta homenagem não é só para mim. Esta é uma homenagem ao trabalho, à luta, ao sacrifício e à dedicação. Esta é uma homenagem à engenharia, ao engenheiro que leva bem-estar aos seus semelhantes quando constrói o teto, que protege; a estrada, que transporta; a água, que é vida; a usina, que traz conforto, traz riqueza. É uma homenagem ao administrador público que usa  seu conhecimento e a sua experiência para cuidar com dedicação e com dignidade do patrimônio que é coletivo.  Esta é uma homenagem aos meus amigos, generosos, leais, solidários, que sempre veem as minhas qualidades com lentes de aumento e perdoam ou minimizam os meus defeitos.

Esta é uma homenagem à memória dos meus irmãos, Jean, Jamil e Camil que deixaram marcas indeléveis nesta terra.
Esta homenagem é para Olga, Cibele, Mariane, esposa, filhas e principalmente amigas, que comigo comemoram as vitórias e que comigo sabem que cada derrota é um passo atrás para a tomada de impulso para um passo maior à frente.
Mas, acima de tudo, esta homenagem é para Chicre Neme e Anester Neme que, vindos do distante Líbano, construíram nesta terra uma vida e uma história de trabalho, de dignidade e de amor; e que, lá onde eles estão, estão com suas almas engrandecidas derramando suas bênçãos sobre todos nós.
Muito obrigado.    

ROTEIRO RESUMIDO DAS EXCLUSÕES

Exclusão 1: nascimento em 1942, caçula de 4 irmãos; algumas características dos irmãos.
Exclusão 2: descrição de estágios feitos a partir do 3º ano da faculdade, que influíram decisivamente nos rumos adotados na carreira.
Exclusão 3: maior detalhamento e passagens da vida profissional; algumas estórias interessantes ou pitorescas.
Exclusão 4: citação de outras “sortes”, além da indicada; mais informações sobre a vida pessoal e familiar; mais detalhes sobre a situação político-econômica; algumas palavras sobre o Mercosul, suas perspectivas e dificuldades atuais; citação de frases de Peron(“ O ano 2000 encontrará a América Latina unida ou dominada”) e de Bertrand Russell(“ O castigo para aqueles que não gostam de política é que serão governados pelos que gostam de política”); análise geo-sócio-econômica da cidade de Rio Grande, seu passado, situação atual e perspectivas futuras.

Foram as pessoas que cruzaram meus caminhos, que me proporcionaram momentos e oportunidades de enriquecimento  que jamais conseguiria agradece-las numa só vida. Presisaria de muito mais...
Porém, fica aqui o meu mais sincero e puro agradecimento a cada pessoa, do passado, do presente e quem sabe... do futuro.

Encaminhe seus comentários. 

28/08/2018

CÂMARA DE COMÉRCIO HOMENAGEIA – Parte II



Prezados,

Continuação da postagem anterior. (Para não cansá-los, dividi a postagem em pequenas partes)

NOTAS PRELIMINAES

- Palestra de Eng. Jasel Neme em 24 de setembro de 1999, no auditório da CÂMARA DE COMÉRCIO DA CIDADE DO RIO GRANDE, como parte da programação da homenagem com o título de Rio-grandino ilustre.
- A mesa foi composta pelo Presidente da Câmara de Comercio, Eng. CLOVIS KLINGER e pelos homenageados, Dra. CLÁUDIA MARIA OLIVEIRA SIMÕES, Min. ERNESTO OTTO RUBARTH e Eng. JASEL NEME.
- Os três homenageados apresentaram palestras narrando suas respectivas experiências pessoais e profissionais, sendo a minha, a terceira.
-O texto a seguir foi reconstituído de gravação parcial, de roteiro-resumo da palestra e da memória. Por conveniência de tempo e horário, foram excluídas algumas partes que estavam previstas; estas exclusões estão indicadas no decorrer do texto abaixo e reproduzidas de forma esquemática no fim.
- Na apresentação feita pelo Presidente, Eng. Clóvis Klinger, foi dito (mais ou menos) que “.... O Jasel está ansioso para falar”, o que serviu de “gancho” para o início da seguinte

PALESTRA:

É! ... Eu disse ao Presidente, alguns minutos atrás, do risco que ele estava correndo ao me ceder a palavra; eu não chego a ser um Fidel Castro que discursa 8, 10 horas, mas me dar a palavra é um risco muito grande. Mas eu prometo me policiar e já encarreguei aí uma certa pessoa para me policiar também.
Caro Presidente, Clóvis Klinger; cara Claudia; caro Ernesto; Senhoras e Senhores...

Uma vez eu recebi a visita de alguns empresários japoneses que pretendiam se introduzir no Brasil; na época eu estava trabalhando no METRÔ de São Paulo e eles diziam da excelência de seus serviços, dos equipamentos, das pesquisas, do excelente atendimento ao cliente e que faziam isso, que davam o melhor de si para compensar o fato de ser uma empresa nova, empresa que não tinha tradição, como tantas outras. Eu perguntei: qual a idade da empresa? Tem 90 anos... Só!

Então, entre tantas outras coisas que sei do Japão, das diferenças do Brasil, essa foi uma das que eu aprendi que os padrões lá são diferentes dos nossos. Que para nós, às vezes, 15 anos já é uma tradição; 20, 30, 40, nem se fale. 

Então, eu quero que as minhas primeiras palavras sejam de saudação a esta Casa que, com 155 anos, representa toda uma história e motivo de justo orgulho para todos nós rio-grandinos. Inicialmente minha saudação à Câmara do Comércio.

E quando esta Casa resolve homenagear este filho, com todo o peso desta história e desta tradição, este humilde filho de Rio Grande sente-se muito emocionado. Muito emocionado e extremamente feliz.

Eu agradeço aos Diretores e Conselheiros por esta alegria, por esta grande honra que recebi. Foi uma generosidade e é a mesma generosidade do povo da minha terra e é a mesma generosidade com que foram recebidos os meus antepassados aqui na década de 10, década de 20. A mesma generosidade com que meus avós e meus pais se integraram na sociedade rio-grandina e essa generosidade me emociona muito.

Meus antepassados se integraram muito facilmente em Rio Grande e deixaram marcas nesta cidade. O meu Avô tornou-se cedo um, entre aspas, um “cônsul” dos libaneses em Rio Grande; era ele quem recebia todos os outros imigrantes e os encaminhava. Meu pai abriu a primeira loja em 1927, meu avô tinha a “Casa Numa” ali na esquina da  “24 com a Vice Almirante Abreu”.  

Naquele monumento que tem ali na Praça Montevidéu, que é uma homenagem da colônia libanesa, o discurso na inauguração foi feito pelo meu tio, o tio Fuad; o senador Romeu Tuma, que todos conhecem, mas poucos sabem, o pai dele imigrou da Síria, não era Líbano, para Rio Grande; chegou aqui e o meu avô foi quem o recebeu e o próprio senador conta essa história, às vezes; o pai do senador mudou-se para Pelotas, foi jogador de futebol, depois mudou-se para o interior de São Paulo, onde nasceram os filhos.
          
(Exclusão 1)
Minha infância aqui foi muito bonita e o Ernesto roubou um pouco do que eu iria dizer então, o que ele disse, vale para mim também: que é uma cidade gostosa, agradável, bonita, que deixa muitas saudades. Os amigos ainda lembram os sanduíches que minha mãe fazia e um deles era o “bauru”; ninguém conhecia bauru em Rio Grande e como nós tínhamos um contato muito grande com São Paulo, nós “importamos” o bauru.

Alguns dos presentes lembram isso, certo? Outra “importação” nossa foi o Bom Bril, era uma novidade que conhecemos em São Paulo; então o Camil, meu irmão, que sempre foi muito criativo em matéria de negócios, né? -então o Camil  “importou” um caminhão de Bom Bril, de São Paulo para cá, encheu a vitrine da loja, da Modesta, na época, encheu a vitrine de Bom Bril e fez um concurso: quem adivinhava quantos: quantos Bom Bril ( existe plural de Bom Bril ? Quantos Bom Bris, fica feio, né?), então quantos Bom Bril existem lá, fez um concurso...

A infância da matinê do Carlos Gomes, a infância do sorvete de creme do português, a infância do Cassino, da SAC, ainda atrás do hotel Atlântico, o barracão. Tem uma historinha que eu garimpei na memória e que eu quis trazer para cá, - tem gente que está aqui presente que vai lembrar – a história do osso na aula de latim. O professor de latim era o irmão Hermes, que era também diretor do São Francisco e alguém, algum colega achou um osso no pátio, um osso grande, devia ter uns 20, 30 centímetros, e levou para a sala e foi passando de mão em mão até que o diretor descobriu e mandou fazer o caminho inverso, para descobrir quem foi o autor da brincadeira. Eu me lembro até que um dos colegas, o Moacir, muito criativo, brincalhão, escreveu uma poesia de umas 15 estrofes. Eu me lembro de duas:

“Um osso no pátio achado
  Na aula veio parar
  O diretor quis fazer
  Dele seu rico manjar

  O diretor ao ver na aula
  De mão em mão o pobre osso
  Quis leva-lo pra uma sopa
  Mas não lhe passou no pescoço”

Bom, o fato é que por que eu quis trazer essa historinha? Porque eu tenho marcada como um dos momentos de solidariedade que é uma das características do povo da minha cidade. Quando o osso chegou no colega que tinha sido o autor, o iniciador da brincadeira, o colega ao lado esticou a mão para pegar o osso e assumiu; aí, o outro do lado assumiu e pegou também; e o osso ficou girando em falso e o diretor não descobriu quem foi o autor e o castigo veio para todos igualmente. Então, essa eu acho uma história bonita. 

Por isso, eu quis trazê-la.

Espero vocês no próximo post.

21/08/2018

Câmara do Comércio Homenageia

Prezados, 


Fundada em 25 de setembro de 1844, a Câmara de Comércio da Cidade do Rio Grande é a mais antiga do Rio Grande do Sul e a quarta do Brasil. É uma entidade formada pela classe empresarial e possui desde seu início uma história de lutas e realizações em prol da cidade. Para mim foi uma grande honra e emoção, que recebi com muita humildade, ser por ela homenageado com o título de riograndino ilustre.


Nascido lá, em 2 de dezembro de 1942, filho mais novo e “temporão” de quatro (meu irmão mais “próximo” é 9 anos e meio mais idoso) de imigrantes pequenos comerciantes libaneses, saí de lá aos 15 anos para estudar o Colegial e Faculdade em São Paulo.

Em 1999, eu com 56 anos, amigos levaram à Diretoria meu “curriculum”, e foi entendido que eu estaria habilitado a ser homenageado. Ocorreu, então, uma grande festa pelos 155 anos de fundação e, entre as comemorações, foram indicados três nomes a receber o título de RIOGRANDINO ILUSTRE, concedido a pessoas nascidas em Rio Grande e que desenvolveram trabalhos dignos de nota fora da cidade. Também incluídos mais dois nomes a receber o TROFÉU CÂMARA DE COMÉRCIO,  concedido a quem, independentemente do local de nascimento, fez algo benéfico à cidade de Rio Grande.

Para o primeiro caso, além de mim receberam o mesmo título a Dra. Cláudia Simões, pesquisadora na Universidade de Santa Catarina e o Ministro Ernesto Otto Rubarth, diplomata que atua nas embaixadas e consulados brasileiros em diversas cidades do mundo. O troféu foi destinado a um riograndino, Germano Toralles Leite, empresário e fundador de dois destacados jornais na cidade e ao empresário inglês William Salomon, proprietário da Wilson Sons, uma das empresas sócias do TECON – Terminal de Containers, importantíssimo segmento operacional do Porto de Rio Grande.
As comemorações do aniversário da Câmara de Comércio são precedidas todos os anos de grande divulgação pela imprensa, e tem para a cidade importância compatível com a história e o prestígio da entidade. Para mim, além do significado da homenagem, foram dias de muita emoção por rever e reunir pessoas amigas de muitas décadas, e com as quais não tinha contato por morar fora da cidade. O evento constou de dois programas, ambos no mesmo dia, 24 de setembro de 1999, uma sexta-feira.

À tarde, no Auditório da entidade os três riograndinos ilustres apresentaram palestras narrando suas histórias de vida, sendo a minha a última das apresentações. Comparecimento de grande número de pessoas, muitas das quais eram antiquíssimas amizades de meus pais e de meus irmãos, o que resultou em momentos de extrema emoção quando pronunciei minha palestra que foi gravada por minha filha Nani, o que permitiu sua reconstituição em texto e que apresento adiante nesta crônica.

À noite, no Salão Nobre, aconteceu um grande banquete e a entrega de troféus aos homenageados. Presentes toda a sociedade e autoridades da cidade, incluídos o Prefeito Wilson Matos Branco, secretários, vereadores, deputados, Comandantes Militares das três Forças Armadas, o Bispo, a imprensa, entre outros.

Antes do início os organizadores solicitaram que os homenageados indicassem um dos nomes para dirigir uma saudação aos presentes; por quase unanimidade (menos o voto da eleita) foi indicada a Cláudia Simões, que pediu dispensa e solicitou que eu desempenhasse a missão. Procurei faze-lo da melhor forma possível, e a opinião geral posterior confirmou isto, inclusive as publicações em toda a imprensa. Recebi muitos elogios.

Além da programação oficial, descrita acima, organizamos para o dia seguinte uma reunião no Hotel Atlântico, que constou de um jantar dançante para cerca de 100 convidados, e principalmente de muita alegria e confraternização. Foram momentos mágicos e inesquecíveis.
De tudo o que foi dito ficaram muitas alegrias e momentos de muita emoção. No entanto, ficou uma frustração: a ausência dos parentes e amigos de São Paulo. Além de nós, Olga, Ci e Nani , veio apenas um amigo, Mário Bonaldi (o Gu).

A seguir apresento a reconstituição da PALESTRA apresentada na reunião da tarde.

Até mais... na próxima postagem.

31/07/2018

Memórias gastronômicas - Parte II


Prezados,

Tive que dividir a postagem em duas partes pois, as memórias gastronômicas para mim e  qualquer pessoa, têm pelo menos dupla importância: sensitiva e cultural.
Sensitiva, por permitir sentir a vida por todos os sentidos do corpo humano e, cultural por proporcionar a compreensão da construção histórica de hábitos e atitudes influenciados pela influência de grupos de pessoas das diversas regiões do pais e do mundo.
Continuando com a parte II da postagem, não poderia me esquecer dos locais e dos sabores que descrevo abaixo.

-Salada Paulista: conheci em 1957, pouco antes de mudar-me para São Paulo. Foi um marco inesquecível da cidade, localizado no centro, Av. Ipiranga entre São João e 24 de maio, quando o centro de São Paulo era realmente o centro: toda a atividade era lá. Para remeter uma carta ou um telegrama, eu tomava o bonde ou o ônibus para ir até o correio central, na São João com Anhangabaú. 

Ao lado do restaurante, a banca de jornais da Ipiranga com São João era a única em São Paulo que vendia jornal do Rio Grande do Sul, então virou um ponto de encontro de gaúchos para, entre um e outro “baaah, tchê”, matar saudades da terra. Na “Salada” não tinha mesas, era um longo balcão com banquetas, servia lanches, sanduiches e pratos rápidos; tudo muito fresco, saboroso e barato. O prato que simbolizava a casa era a salada de batatas com salsicha, e um dos mais pedidos era o sanduiche de bife a milanesa. Lamento que tenha fechado, devido à dinâmica da cidade com seu crescimento, modernização e, acredito americanismos que tiraram o espaço do “cachorro quente” para substituir pelo “hot dog”.

-Cachorro quente: a citação acima fez aflorar em minha memória o cardápio em nossa casa, infância em Rio Grande, nos sábados à noite. Por muitos e muitos anos minha mãe preparava neste dia o cachorro quente, em sua versão absolutamente original: pão francês (“cacetinho” no idioma gauchês), salsichas, molho de tomate, cebola e salsa, mostarda e pimenta. Uma delícia, até hoje desprezo qualquer “cachorrão” com um monte de componentes se houver esta lembrança de mamãe em troca. Um caso “puxa” outro; em 1973, pouco mais de 2 anos de casados, Olga e eu fomos de carro a Buenos Aires, onde tinha sido parte de nossa lua de mel. Fizemos excelentes compras de jogos de louças, copos, taças, peças de cristal e talheres; o carro, Corcel, veio lotado. Saímos cedo de Buenos Aires, atravessamos a balsa em Colônia, e tivemos um atraso em Montevidéu para esperar o comércio abrir (fecha para almoço) para trocar uma mercadoria comprada na ida; seguimos viagem em direção a Chuy, sem almoçar. Fomos parados por uma fiscalização fazendária, devido à quantidade de mercadorias; houve ameaça de apreensão. Conseguimos convencer o agente que não tínhamos nenhuma intenção de vender, e ele liberou, mas nos deu um prazo, o estritamente necessário para chegar a Chuy onde deveríamos apresentar o passe que ele nos forneceu e sair do país. Resultado: entramos no Brasil – Chui – às 19hs., tendo como alimentação única no dia apenas o café da manhã em Buenos Aires. Nossa salvação foi um trailer vendendo “cachorrão”, novidade à época e que conhecemos lá. Claro que foi o lanche mais saboroso de nossas vidas! Inesquecível!

-Dinho´s Place: tradicional churrascaria, aberta na década 1950 por um “patrício” – Fuad Zogaib – e daí saiu o nome da casa, derivado do diminutivo afetivo do nome – Fuadinho. Até hoje, idade avançada, ele comparece na casa, que se firmou na cidade pelo excelente padrão – instalações, atendimento, qualidade dos produtos; frequento-a devido a   todo este conjunto.
Lá tenho preferência pelos churrascos, pela ótima feijoada às quartas e sábados, e pelo buffet de peixes e frutos do mar às sextas; mas de tudo, em especial acho imbatível o frango desossado grelhado. Sempre senti muita falta, aqui em São Paulo, do galeto do Rio Grande do Sul; nunca achei nenhum que pudesse lembrar o que comemos lá, em qualquer lugar, mas principalmente na região da Serra Gaúcha – Bento Gonçalves, Caxias, etc... E o Dinho´s consegue fazer-me sentir o sabor do “meu” Rio Grande. E ele está marcado também pelos nossos jantares de turma da faculdade, a gloriosa turma da Poli 65, que se reúne anualmente graças ao fenomenal empenho, dedicação e organização do Bernasconi (além dos puxões de orelha às vezes  nos “sumidos” que ficam tempo sem aparecer);  por vários anos tivemos lá uma sala reservada para este evento, no qual os circunspectos engenheiros, que alguns minutos antes estavam em seus escritórios ou reuniões tomando decisões importantíssimas, transformam-se em garotos estudantes. Faz-me lembrar também uma figura especial, muito querida, o Sr. Jamil Chammas. Patrício dos mais tradicionais, pai da Beth e sogro do Simão (o Zé Carlos), lá fazia seus almoços de domingo reunindo a família. Ficou famoso o “ritual” da escolha do prato: cada vez folhava e consultava detidamente o vasto cardápio, com grandes dúvidas sobre o que escolher. Vinha então a decisão: um filé com fritas; SEMPRE!!! Uma explicação sobre o porque de citar acima nome do Zé Carlos: tenho vários grandes amigos com o mesmo nome – Simão, então achei que deveria esclarecer qual era; tenho até um grande amigo, em Rio Grande, que é   plural: meu prezado SIMÕES.

-Memórias: existem diversos pratos  dos quais eu lembro onde e em que circunstâncias   provei pela primeira vez, e vou relatar quatro casos. Não tenho certeza, creio que foi com 8 a 10 anos de idade; em Rio Grande tínhamos o hábito de abrir a refeição com um prato de sopa, então nesta época surgiu   para provarmos um vidro de molho denso, cor vermelho forte, um pouco adocicado, para misturar na sopa, e com um nome esquisito: ketchup, hoje difundido para temperar sanduiches. Conheci o   creme de milho no fim dos anos 50; o Nicolau Safatle, grande amigo, médico, casou-se em Botucatu com a Magali, de uma família muito conceituada, filha do Dr. Brasil Blasi. Fomos em um grupo grande ao casamento. Pouco tempo depois, o casal morando na Av. Angélica, em São Paulo, ofereceu-nos um almoço. Lá, entre outros quitutes, conheci o creme de milho, que além de não conhecer também nunca ouvira falar; apreciei muito o sabor. Depois deste almoço comi muitas vezes. A Olga gosta muito, seguidamente pedimos comida do Juca Alemão em boa parte devido ao creme de milho que eles preparam. Atualmente já não aprecio tanto porque meu gosto   por alimentos adocicados diminuiu, acho-os enjoativos. Mais uma experiência com novidades culinárias eu já citei em outra crônica; foram as aulas do Jorge Yamashita sobre o Japão. No bairro da Liberdade, centro das colônias japonesa, chinesa e coreana, comi pela primeira vez comida japonesa, em 1975, como treino para viajar para lá. Pode parecer estranho, devido à grande penetração hoje no gosto da população em todo o Brasil, mas naquela época ninguém que não fosse da colônia conhecia.  Outro caso, mais recente, por volta de 1992/1993, eu era Diretor de uma estatal com escritório no Brooklin, próximo do Clube Hípica. Um dos diretores, o Parreirinha, era sócio do Clube e seguidamente íamos almoçar lá, todos os diretores. Nos restaurantes não era conhecido o creme de papaia, mas no do clube já era servido; gostei muito!  E quando passou a ser servido nos restaurantes, também caiu no gosto da Olga, que pedia seguidamente.

-Bauru: já é muito conhecida de a história da invenção do bauru e a razão do nome. Não é preciso repeti-las aqui. Meu irmão Camil, que como todos nós da família era um grande apreciador de bons sanduiches, conheceu-o aqui onde ele “nasceu”, São Paulo, e levou a novidade para Rio Grande. Minha mãe adotou-o e incluiu na rotina dos lanches de casa; logo fez sucesso entre os amigos, que vinham para saborear a novidade “importada” de São Paulo. Era a década de 1950. Após algum tempo as lanchonetes começaram a preparar, e teve grande expansão na cidade. Algumas tornaram-se famosas, e passou a ser o lanche preferido da turma da madrugada e do fim de noite. O “bauru do abrigo” – abrigo era o nome de uma estação de bondes em Rio Grande – passou a ser programa obrigatório nas madrugadas. Surgiu, então, um novo capítulo desta história: um dos hábitos do sulista é o de aprimorar seus quitutes mais apreciados, como fez por exemplo com o cachorro quente – criou o “cachorrão”, praticamente uma refeição, antes que São Paulo o adotasse. 

E fez o mesmo com o bauru: criou o “bauru no prato”. Uma receita riquíssima que consegue alimentar várias pessoas. O mais famoso era feito em Caxias do Sul. Uma vez, 1965, vindo de São Paulo de carro, Farid, Zé Roberto “Abacate” e eu, em um fusca recém comprado pelo Farid, programamos a viagem para dormir em Caxias, com a intenção (e   o estômago) mirando o “bauru no prato”. Não lembro bem o nome do local, muito famoso à época, talvez “Recreio dos Estudantes” ou “Recreio da Juventude”? Atualmente constitui uma variante da receita original; o velho bauru tradicional (rosbife, pepino, tomate, orégano, pão, manteiga e queijos) foi incrementado   e é conhecido como “bauru gaúcho” (opções de bife, linguiça, frango ou coração; presunto, queijos, tomate, cebola, alho, ketchup, orégano, servido no prato).

-A bordo: existem dois locais onde, quando se fala em comer, surge de imediato uma expressão de desprezo, comida pouca e ruim: hospital e avião. Avião, hoje, nem isso, é sinônimo de quase “passar fome”. Mas houve época em que esta viagem era um acontecimento, coberto de charme e elegância; e a nossa Varig – (Viação Aérea Riograndense, maldosamente apelidada de “Vários Alemães Reunidos Iludindo Gaúchos”) contribuiu muito para isto. Seu padrão de serviços estava entre os melhores do mundo. 


Chegava ao requinte de buscar cada passageiro em casa para levar ao aeroporto, de limousine; mas eram menos de 30 passageiros, a capacidade de um DC-3. E as refeições de bordo eram banquetes, mesmo! Em qualidade, quantidade, variedade e atendimento. Certa vez minha filha Cibele, criança, comeu um quindim a bordo, e passou VÁRIOS ANOS nos pedindo para voltar àquele avião para comer O quindim. Seria o doce mais caro do mundo! Mas a Varig foi responsável também, usando sua grande força política, por atrasar em muitos anos o ingresso  da aviação brasileira no “lowcost” e nos voos fretados (charter), que a Monark Turismo popularizou alguns anos depois.

Sendo extremamente elitista em seus conceitos, defendia as tarifas elevadas como eram; foi, na aviação, o que é o Laboratório de Análises Clínicas Fleury em São Paulo na medicina, de alta qualidade, caro e elitista. Aliás, com os preços e demais condição dos bilhetes aéreos praticados hoje seria absolutamente impensável manter um padrão de qualidade como aquele. No entanto, superando Varig e qualquer outra empresa em que voei, o maior banquete a bordo foi em um voo Avianca para os Estados Unidos via Colômbia onde fomos visitar parentes. A qualidade da empresa deixou muito a desejar, mas o almoço... Nunca imaginei algo tão fantástico a bordo de um avião. O  menu era criação do maior nome mundial da gastronomia à época, Paul Bocuse. Banquete de verdade!

-Churrasco: esta é uma lembrança que, acredito, não seja apenas minha, mas coletiva. Um bom churrasco está no gosto de quase toda a humanidade. E, óbvio, tratando deste tema é impossível esquecer nossos “hermanos” uruguaios e argentinos e, no Brasil, o Rio Grande do Sul. A excelência vem de uma composição de fatores, entre os quais estão as raças nobres de gado que se desenvolveram na região; a topografia com grandes campos e sem aclives pronunciados, que permitiu criação adequada; o preparo, que soma ritual, tradição e experiência. O caráter festivo e de comunhão entre as pessoas em qualquer “churrascada”. E esta qualidade é encontrada sempre, nas reuniões entre familiares e amigos, nos restaurantes, todos, desde o sofisticado até o humilde “boteco”.

-Darci: São Paulo é um dos maiores centros gastronômicos do mundo; é muito usada a expressão “restaurante é a praia do paulistano”. Um estudo da ONU feito há alguns anos colocou-a entre as quatro melhores, junto com Paris, Nova Iorque e Tókyo. No item “churrasco” tem casas excelentes, e quero registrar uma que considero marcante: a “Costela de Ouro”, aberta na década 1960 no Planalto Paulista (está lá até hoje) pelo Darci. Gaúcho de Pelotas, ex  funcionário da Varig, excelente assador, era requisitado pelo poderoso Rubem Berta para preparar quando tinha vontade ou recebia alguma visita importante (e tinha muitas). Ao aposentar-se, abriu a casa num andar superior  na Av. Piassanguaba (no térreo tinha uma padaria) e de imediato “bombou” no gosto paulistano; estou entre os primeiros clientes. A casa sobressai tanto pela qualidade do churrasco como pela autenticidade com relação ao afamado churrasco gaúcho. 

-O trivial: não poderia ficar fora a marca daquelas refeições triviais, extremamente saborosas. A cozinha brasileira é rica em sabores, e além dos milhões de   donas de casa que preparam as refeições para suas famílias temos também um tipo marcante: a comida de pensão. Quase todos os que saíram de casa para estudar ou trabalhar em outra cidade passaram por esta experiência. O trivial paulista, por exemplo, nos oferece um desfile de sabores que incluem, entre outros, saladas diversas (principalmente verde e maionese), macarrão, bife, frango, bisteca suína, ovo frito, arroz, feijão, legumes diversos cozidos... Eu, mesmo casado, fui várias vezes com a Olga e também com nossas filhas almoçar em alguma destas pensões. Nas nossas frequentes idas a Águas de Lindóia ou Serra Negra seguidamente fomos  almoçar no Sagrado Coração, ou em idas a Santos almoçar na Pensão Paulista (hoje Hotel). Citei apenas o trivial paulista, no Brasil existem muitos outros como o baiano e o mineiro. Devo citar também a nossa feijoada, para mim um dos pratos mais saborosos do mundo! Não importa a polêmica quanto à sua origem – escravos, cozido português – qualquer feijoada é imbatível em sabor.

-Maria Fulô: mais um dos muitos lugares em São Paulo onde fui levado a conhecer pelo Adib Salomão; creio que devo falar um pouco dele. De Rio Grande, sétimo e último filho de João Salomão, amigo de meu pai desde a juventude no Líbano; idade 9 anos além da minha; nossas famílias tiveram sempre uma convivência muito grande; formou-se em Direito em Porto Alegre, ainda jovem foi um dos fundadores de Faculdades em Rio Grande, ocupou cargos no governo estadual, onde chegou a Secretário da Educação; começando a namorar a Juçara Mansur (não é erro de grafia; é com “ç” mesmo), deslocou seu foco para São Paulo; com a namorada, depois noiva e esposa, o casal praticamente “adotou-me” para a vida mundana numa fase em que eu não tinha nenhuma condição financeira nem conhecimentos para tal. Voltemos ao Maria Fulô! Restaurante aberto em São Paulo, no Alto da Boa Vista, zona sul e região residencial nobre, por uma conterrânea, da cidade de Rio Grande, Vanda, grande banqueteira. Dedicou-se à cozinha baiana, e o restaurante era o que poderia ser classificado como PERFEITO. Instalações extremamente luxuosas e de bom gosto, excelente serviço   em atenção e eficiência, servia refeição completa composta por um desfile dos principais pratos da culinária baiana com apresentação e preparo impecáveis, desde a entrada e os aperitivos até o encerramento. A crítica à época chegou a considera-lo um dos dez melhores restaurantes do mundo. Foi um de meus locais preferidos para, além de frequentar, levar convidados. O Farid Nader lembra até hoje de um pequeno detalhe do serviço: estacionamento com manobrista de carro à porta, hoje comum, não fazia parte ainda dos hábitos usuais; era a década 1960, e para a época era um requinte no serviço.  Lamento que São Paulo tenha perdido este “monumento”: fechou depois que a Vanda, sem ambições econômicas ou empresariais, associou-se a um grupo com perfil oposto ao dela, e que, depois de abrir filiais, a busca pelo lucro levou à perda da qualidade original.

-O peixe: vou relatar uma experiência ímpar, difícil sob vários aspectos. Japão, 1975, eu lá a serviço da Companhia do Metrô, fui convidado a passar um fim de semana na colônia de férias dos engenheiros do Metrô de Tokyo, na cidade de Nikko. Antes de contar a história, vou falar sobre o local. Tudo o que vocês já ouviram dizer sobre as belezas do Japão é encontrado em Nikko de forma potencializada.Llá TUDO é magnífico. Centro de forte atração turística, situada a cerca de 2 horas de Tokyo, é a soma de uma natureza exuberante com obras de imenso valor artístico e arquitetônico. É a cidade dos templos, parques, jardins, lagos, cascatas, além de sediar diversas festas de larga tradição com   seculares trajes típicos. Bem, este é o local onde passei um fim de semana com os colegas engenheiros metroviários.


Nosso programa começou com uma visita à região e com as explicações dos significados das atrações. Não sou do estilo de guardar os nomes de tudo – e no Japão tem muito – nem de tomar anotações; apenas memorizo os nomes mais conhecidos ou dos lugares marcantes. De lá lembro do Lago Chuzenki, da belíssima cascata Kegon Falls, e do Templo Toshogu, famoso Patrimônio da Humanidade da ONU e onde estão os famosos 3 macaquinhos esculpidos em madeira na fachada (“não ouço, não falo, não vejo”). Quando, 16 anos depois (1991) voltamos lá com nossas  filhas Cibele e Nani (15 e 11 anos), fiz uma pequena brincadeira: algum tempo antes elas haviam montado um “puzzle” deste templo, e sem avisá-las que era o mesmo ficamos parados na frente, olhando até reconhecerem que era “o do quebra-cabeça”; então deram, juntas, um grito de alegria e emoção. Na sequencia de minha visita, fomos à colônia de férias, onde tomamos banho de piscina de água quente sulfurosa originária das muitas fontes de águas quentes da região. Na entrada havia um aquário, do qual um dos colegas escolheu qual peixe seria preparado para nosso jantar. Aí chegou a parte difícil: na mesa do jantar estava o peixe escolhido, fatiado da metade até o fim, e a parte da frente voltada para mim (soube depois que era em minha homenagem, como visitante), com ele respirando e me olhando. E o pessoal todo servindo-se das partes fatiadas. Não consegui comer! E, para não cometer a descortesia de uma recusa, fiz algo fora de meus padrões éticos; tenho grande rejeição pela mentira, mas ali eu a utilizei, dizendo que tinha alergia a peixe. Outra dificuldade: mentir no Japão, para japoneses, povo que não mente jamais. Mais: anotei os nomes e as feições de todos os presentes, e nos próximos dois meses que fiquei lá, em cada almoço juntos eu recusava comer peixe cada vez que tinha a presença de algum daqueles presentes neste jantar. Minha refeição nesta noite foi 100% vegetariana: os legumes assados de acompanhamento.

-Pão com queijo: na França é um de meus lanches prediletos. Simples assim, mas a qualidade dos queijos é imbatível, e melhor ainda com um vinho “nacional”; e a variedade! De Gaulle quando Presidente dizia que é impossível governar um país onde são fabricados 365 tipos distintos de queijo. Mas tive uma experiência curiosa. Saindo de Nice, de carro, onde tomamos um café da manhã completíssimo no hotel, iniciamos a subida pelos Alpes. Na hora do almoço, sem muita fome e para não tomar muito tempo, decidimos pelo pão com queijo. 

Passando pela pequena Bréil (menos de 1.000 habitantes), nas belíssimas paisagens dos Alpes Franceses, escolhemos: é aqui! Paramos numa padaria, pedi o pão e em seguida o queijo. A atendente olhou-me como se eu fosse um ET ou um maluco, como se estivesse querendo comprar pneus de carro numa farmácia ou coisa parecida. Com a expressão assustadíssima, disse: “du fromagge, ici? Seulement au supermarché la bas.” (queijo, aqui? Só no supermercado lá em baixo). Lembrei-me na hora de nossas maravilhosas padarias paulistanas, onde tem TUDO, até lanches, almoço, happy hour com os amigos, compras para casa, etc... Pensei em convidar a francesinha para conhecer uma destas padarias.
Certamente eu teria mais histórias de gastronomia a relatar, mas creio que tenha conseguido transmitir alguns casos marcantes.
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