18/06/2018

Uma aula de economia



 Prezados,

O povo libanês, descendente dos fenícios, tem como uma das principais características, o talento comercial. Isto se manifesta de várias maneiras no comportamento rotineiro e é usado de forma espontânea, automática.

Posso ser considerado “vergonha da raça”, pois não tenho, neste setor, nada de libanês em meus conceitos e em meus comportamentos. Vou relatar um fato que exemplifica este conceito.

Na minha faixa etária dos 10 aos 15 anos, ainda morando em Rio Grande, precisei ir diversas vezes a Pelotas (a apenas 50 km) para fazer alguns serviços (documentos, livros, apostilas, etc...)  do Camil, meu irmão, referentes à Faculdade que ele cursava.
Ia quase sempre de trem que era eficiente e econômico, além de seguro, uma criança podia viajar sozinha sem cogitar de possíveis violências.


Certa vez, calor e com sede, entrei num bar e pedi um copo de água gelada. Na época não tínhamos a cultura e o hábito de tomar água mineral, que era considerada  tratamento para quem tivesse algum problema de saúde. A água que pedi foi servida e COBRADA. Fiquei surpreso, pois em Rio Grande era comum pedir água (não mineral) em qualquer lugar e não era mercadoria a ser vendida e paga.

Algum tempo depois, já com 15 anos, fui estudar em São Paulo, no Colégio Arquidiocesano. Lá conheci e fiquei muito amigo de outro gaúcho, pelotense, SÉRGIO SOARES OLIVÉ LEITE, que depois tornou-se médico e dono de uma grande clínica psiquiátrica fundada por seu pai, em Pelotas. Mas nossa boa amizade não impediu que aflorasse a velha e famosa rixa Rio Grande e Pelotas, nós “papareias” versus eles, “sebeiros”.


Sempre em tom amigável e brincalhão e mantendo a boa amizade, vinham os comentários e críticas aos “podres” de cada cidade. Então, numa dessas, “soltei” o fato da cobrança do copo d´água, qualificando-o como absurdo, abusivo, desumano, etc... Veio então, por parte do Sérgio, a “aula” de economia que em mim ficou inesquecível:

“Jasel, o dono do bar dispendeu tempo e mão de obra para encher o filtro, depois para passar a água filtrada para a garrafa e colocar na geladeira, depois tirar da geladeira e servir no copo, depois para lavar e guardar o copo. Gastou energia elétrica para gelar, gastou água e sabão na lavagem do copo, etc... E ali era um estabelecimento comercial, seu local de trabalho. Por que não haveria de cobrar?”


Lógica irretorquível foi para mim uma lição de vida. Adotei a mesma lógica na minha vida e em minha profissão de Engenheiro Civil. Tornei-me altamente competente na elaboração de orçamentos, tanto em atividades pessoais como profissionais, e disto tenho muitos exemplos de experiências de sucesso.

Meu bom amigo SÉRGIO. Devo isto à aula que Você me deu no pátio do Colégio Arquidiocesano.

Obrigado, amigos.

09/06/2018

Os Molhes da Barra do Rio Grande



Prezados,


Uma das principais atrações turísticas da cidade do Rio Grande e de sua Praia do Cassino! Imperdível!

No entanto considero difícil decidir o que é mais fascinante, se os atrativos e belezas que tanto encantam os visitantes, ou a magnífica história de sua implantação devida à importância histórica e comercial e por ser uma das maiores obras de Engenharia Portuária do mundo. Vou tentar fornecer a Você, leitor, dados sobre os dois aspectos envolvidos para uma comparação.

1- OS MOLHES PARA OS VISITANTES

A Lagoa dos Patos e o Porto de Rio Grande, um dos mais importantes do país, têm acesso a partir do Oceano através do Canal do Rio Grande. Para garantir a profundidade necessária à navegação foram construídos, a partir das praias de Rio Grande (Praia do Cassino) e São José do Norte, duas muralhas longitudinais de pedra adentrando o oceano em cerca de 4 km. A mais frequentada e de acesso mais fácil é a do lado sul, Cassino. 

Vamos listar alguns atrativos para os visitantes:
-a atração mais pitoresca, por ser atípica: no meio existem trilhos ferroviários por onde correm pequenas vagonetas abertas, da praia até a ponta no oceano. Existem várias, tocadas por vagoneteiros, com capacidade para cerca de dez pessoas.


A energia? Eólica! São dotadas de velas e o vento gera seu movimento. O passeio de ida e volta, com algumas paradas no caminho e na extremidade, demanda cerca de uma hora.

Ao se cruzarem vagonetas em sentidos opostos, uma delas é retirada dos trilhos e recolocada após a passagem da outra.
-outra forma de passeio é caminhando, até uma parte do caminho ou até a ponta para os mais animados.
-o local é excelente para pesca. Muitos acampam nas pedras e até passam a noite inteira para praticá-la. Até a década 1960 assisti ali a vários campeonatos internacionais de pesca, sempre no mês de novembro; não tenho conhecimento de que ainda existam.
-as vistas são magníficas, lindas, de perder o fôlego; já vi muita gente chorando de emoção diante da beleza da paisagem; constitui uma exceção à monotonia visual do litoral gaúcho. 

Adentrando lentamente até quase alto-mar (4km.), vendo de um lado a praia lotada de banhistas e do outro o canal de acesso ao porto com muitos navios grandes entrando, vendo os leões marinhos que se abrigam nas pedras, os golfinhos,  os peixes e os demais animais pulando; apreciando os contrastes dos efeitos visuais e multicoloridos do pôr do sol e do nascer do sol (sim, ou madrugamos ou nos deslocamos da festa ou baile do Clube SAC ou  de outras para ver o sol raiar); tudo isto é de uma beleza indescritível.
-geralmente em época de verão  o mar ali é bastante calmo. Eventualmente deparamos com ondas maiores que ao impacto com as pedras chegam a molhar os visitantes. No inverno já é menos recomendável fazer este passeio. 

Lembro de uma vez em 1958, eu estudante interno em São Paulo, vi uma grande reportagem no Estadão com fotos de uma tempestade no Rio Grande que chegou a destruir os trilhos, que ficaram contorcidos.
-na praia que dá acesso aos molhes, também no verão, forma-se uma concentração de público e de trailers/lanchonetes. Em geral a higiene e a qualidade das bebidas e lanches são muito boas (isto vale posso dizer, para toda a cidade e o Cassino).

Para isto contribui, com certeza, o já renomado padrão de qualidade em alimentação do Rio Grande do Sul, e também meu grande amigo Arizinho Féris quando Secretário da Saúde da Prefeitura do Rio Grande, rigorosíssimo nas exigências sanitárias. Há muito tempo que não vejo e não tenho notícias do “Cabeça” e da Dona Vera, autora do melhor pastel de camarão do planeta; já mereceu até uma citação em crônica do Luiz Fernando Veríssimo. Aposentaram-se? Para entender o porquê do apelido “Cabeça”, não precisa muito: bastaria conhece-lo, dispensa explicações! 

2- OS MOLHES – SUA HISTÓRIA

A cidade do Rio Grande, fundada em 1737 por Portugal, foi o início da ocupação do Estado. Isto se deve à sua localização, estratégica para uma época em que a navegação era o transporte entre a Europa e a América. A cidade está situada na extremidade sul da Lagoa dos Patos, onde  o Canal do  Rio Grande liga o oceano à Lagoa. E, como as características do litoral gaúcho não permitem grandes portos, Rio Grande possui o único porto marítimo do estado.

No entanto, devido às condições físicas e geográficas, tais como ventos, correntes marítimas, conformação das praias, entre outras, o acesso à Lagoa dos Patos sempre foi extremamente dificultado pelas alterações dos bancos de areia no canal. De início, devido às disputas pela posse entre Portugal e Espanha, existia uma importância estratégica militar fundamental para acessar o porto: entre Colônia do Sacramento, fundada por Portugal onde hoje é Uruguai, e o Rio de Janeiro, era necessário um ponto de apoio nos deslocamentos de tropas, afora o porto de Laguna, em Santa Catarina.


A fundação da cidade deu-se com a construção do Forte Jesus Maria José. Posteriormente, tendo o sul já se tornado um grande produtor de alimentos, as trocas comerciais passaram a ter grande importância. Charque, depois carne e trigo, faziam parte deste conjunto. E as dificuldades de acesso eram conhecidas por todos os navegantes e governos do mundo, existindo relatos de navios parados por vários dias à espera de poder entrar, e de muitos navios encalhados. Esta situação, e mais as violentas tempestades em época de inverno, resultaram na denominação de “cemitério de navios” para a região. Os restos do navio Altair naufragado em 1976, na praia a cerca de 20km. dalí, além de serem atualmente uma curiosa atração turística, constituem uma amostra da situação exposta acima.

Rio Grande já havia se tornado um grande centro, e seus dirigentes junto com a Câmara de Comércio faziam muitas gestões políticas para solucionar o problema da dificuldade de acesso. Felizmente o Governador Leonel Brizola, quando governou nas décadas 1950-1960, não conseguiu seu intento de valorizar o porto de Porto Alegre com seu projeto de mais um canal ligando a Lagoa dos Patos ao oceano; os estudos à época revelaram que seria um desastre ecológico, pois iria tornar salgadas as águas da lagoa, com prejuízos imensos. Além, claro, do grande prejuízo econômico para a cidade de Rio Grande.

O século XIX foi muito rico em estudos e projetos para o acesso ao porto. Dom Pedro II, em duas visitas à cidade, fez acelerar os estudos. A execução das obras veio a ocorrer somente  no início do século XX, pois os interesses comerciais envolvidos, face a grandiosidade da obra, geraram tumultos e dificuldades contratuais. As pedras vieram do Município de Capão do Leão, distante quase 100km, transportadas por ferrovia construída simultânea e especialmente para esta obra.

Mesmo os molhes tendo cumprido sua finalidade de prolongar a profundidade do canal até um ponto já profundo do oceano, para os procedimentos de acesso ainda se mantem a necessidade do trabalho conjunto entre o comando dos navios e a equipe de praticagem da barra, existente desde os tempos do império. Não sei se existe exigência legal de contratar um prático, mas a operacional é imprescindível; já aconteceram (raros) casos de comandantes de navios, principalmente estrangeiros, dispensarem estes serviços por economia e gastarem muito mais em desatolar seus navios.

Finalizo com uma sugestão: não se preocupem com o que é mais atrativo, se as belezas do lugar ou sua história fascinante. Visitem!

Os que já conhecem a região, como eu, não se cansam de repetir o passeio.

Aos que ainda não foram, tenho certeza de que terão momentos inesquecíveis.

Abraço.