28/03/2018

Árabe: pobre língua riquíssima.



 Prezados,


Não falo o árabe tão bem quanto deveria e gostaria. Como filho de libaneses, em minha distante memória auditiva tem muito do árabe falado em casa. Entendo mais do que falo. Mas, todos esses anos de convivência com patrícios ao menos fizeram-me criar alguns conceitos sobre a língua. Acho-a bonita, forte, altamente expressiva, além de ser um poderoso elemento de comunicação que nos diz da forma de ser do libanês.

São praticadas duas versões do idioma árabe: uma popular e uma erudita.   Aqueles que não compreendem o árabe costumam afirmar, sobre o popular, que nos diálogos parece sempre que estão brigando; isto é compreensível, faz parte da força que o libanês coloca no linguajar. O erudito soa extremamente poético e musical, suave, agradável aos sentidos, bonito de ser ouvido.

O que pretendo neste texto é expor duas características que considero marcantes: a língua árabe é extremamente rica e extremamente pobre.  É riquíssima em assuntos que envolvam emoções e sentimentos; pobre para questões técnicas, tecnológicas, científicas, etc...

Passo alguns exemplos de fatos que vivenciei e que, creio, podem confirmar esta opinião. 
Mas antes de prosseguir, quero deixar dois conselhos ao leitor.

Primeiro: não seja xingado em árabe; se for inevitável, evite ao menos  querer saber os significados dos impropérios que lhe foram dirigidos. Ouvidos e corações sensíveis iriam sofrer.

Segundo: procure ser acalentado por palavras carinhosas em árabe; são de um lirismo, de uma entrega, de uma expressividade que não imagino existirem em qualquer outro idioma.

Entretanto, existem vários casos em que a simples tradução literal de uma expressão não transmite a força do sentimento que a acompanha; é necessário um conhecimento e vivência da cultura libanesa para entender seu alcance. A título de exemplo, lembro-me de uma expressão – MÁ FIH METLE – cuja tradução literal diz muito pouco, ”não tem igual”.  Mas quem venha a ser brindado com esta expressão por um libanês pode sentir-se um semideus, porque é de uma força e expressividade imensas; um libanês não diz isto para qualquer mortal comum! 

Alguns casos:
-Jêdu, meu avô querido, era extremamente sentimental e amoroso com os parentes, além de ter sido um emérito “mulherengo” até seus cerca de 80 anos, quando uma cirurgia de próstata reduziu seu desempenho sexual. Aos 90, ainda viajava sozinho para visitar parentes em diversas cidades nos estados SP, RJ e MG. Uma ocasião, sentado na sala de nossa casa na Vila Mariana, puxou sua recheada carteira de endereços, e foi folhando aleatoriamente; para cada nome que via, desfilava um rosário de palavras de carinho e amor. Até aparecer o nome do médico que, 10 anos antes, havia “cometido” a cirurgia. Começou com “filo da buta, estragou eu”, e, em árabe e português, veio outro rosário, este de impropérios e xingamentos; que não foram poucos nem leves.

-Encontrei em São Paulo um primo que não via há muito tempo, e que me deu notícias de diversos membros da família. Quando perguntei pela Alissar, uma sobrinha, respondeu: “Brimo, Alissar tá no colégio que estuda brá ser aquele daktur que dá conselho bras bessoa”. Consegui “traduzir”: está fazendo Faculdade de Psicologia onde, soube depois, foi aluna de minha cunhada, Maria Tereza, irmã da Olga.

Certa vez eu estava no Líbano, retornando de uma viagem ao Japão a serviço do Metrô de São Paulo. Fui com um primo a uma igreja secular, (ou milenar?) nas lindas montanhas libanesas. Lá conheci um Padre, bastante idoso; tanto ele e suas longas barbas como a Igreja pareciam não ter idade,  como se fossem eternos e parte daquela paisagem magnífica (esta imagem me veio de uma entrevista de Borges, o Jorge Luis,  que numa declaração de amor a Buenos Aires disse que não consegue imaginar que sua cidade um dia tenha sido construída, para ele é como o céu e os ventos, é eterna, sempre existiu).

Lá também conheci outro Padre, jovem, libanês morando no Canadá, muito atualizado, bem informado. Conversamos bastante, e ele me apresentou ao “idoso” como um libanês nascido no Brasil (é assim que sou apresentado lá, um libanês nascido no Brasil). Falando em árabe, mas eu entendi tudo, explicou que fui ao Japão onde existe um trem que passa embaixo do chão, e eu fui ver como eles fazem para fazer igual no Brasil. Nada de estudo, visita técnica, sistema metroviário, simplesmente “ver como fazem um trem embaixo do chão”. Não esqueço jamais a expressão de absoluto assombro, indagando se “existe isso na vida, um trem embaixo do chão?”

Depois destes casos o leitor concorda comigo sobre a riquíssima língua pobre?

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Postado por Jasel Neme


20/03/2018

Metrô Anhangabaú




Prezados,


Vou relatar uma pequena história desta estação, do meu ponto de vista, trabalhando à época  na Cia Do Metrô.

A 1ª linha, Norte-Sul (Santana – Jabaquara, denominada linha Azul) estava parcialmente em operação comercial, e seguia em construção. A 2ª, Linha Paulista, teve sua construção iniciada e interrompida. Estava em desenvolvimento a 3ª, Linha Leste-Oeste, que inclui esta Estação.

A implantação seguia a Rede Básica proposta pelo Consórcio HMD na década 1960, com  alterações posteriores propostas pela Cia. do Metrô. A proposta HMD tinha claramente a  influência de sua origem, Alemanha: atendimento lindeiro (origem e destino dos passageiros próximos das estações),  típico dos metrôs da Europa, com carregamento na faixa de até 20.000 passageiros/hora.

São Paulo, no entanto, situava-se muito fora deste parâmetro; iniciado mais de 100 anos após Londres, e já uma grande metrópole com 10 milhões de viagens/dia.  Um Metrô “convencional” seria inviável para suprir este atraso.

Nosso Diretor de Planejamento de Tráfego, Roberto Scaringella, tratou pessoalmente de passar um período na França, onde estava sendo implantado o Metrô regional, com linhas de maior capacidade e grande integração com os diversos sistemas de transporte.
Retornando, promoveu uma alteração radical no projeto da Linha Leste-Oeste; entre diversas mudanças, incluiu a eliminação da Estação Anhangabaú. 

As modificações foram em geral bem recebidas, exceto esta relacionada à Estação, que gerou grande polêmica e divisão de opiniões. Chegou um momento em que as discussões eram tantas, que o Presidente à época, Plinio Assmann, PROIBIU que se falasse do assunto na Companhia, ficando a estação eliminada.

Algum tempo depois, com a mudança de Presidente e com o Prefeito, Olavo Setubal, recebendo muitas pressões, fui chamado pelo Presidente, Francisco Lima de SOUZA DIAS Sobrinho, que encomendou um estudo para apresentar ao Prefeito. Fiz na hora um programa de trabalho, com os itens a serem estudados, que ele aprovou; pedi 60 dias.

Ele retrucou com uma frase que ficou marcada: “Não, Jasel; hoje é segunda-feira, estarei sexta com o Prefeito, que quer ler seu relatório; sabe o tamanho ideal de um relatório? Deve ter o tamanho de uma saia de mulher: suficientemente curto para ser atraente e suficientemente longo para ser decente”.

Pude me comprometer porque, com a experiência da Linha Norte-Sul, o Metrô já possuía uma equipe técnica de excelência em todas as áreas envolvidas. Reunimos um grupo com cerca de 15 técnicos de várias especialidades, e em 4 dias elaboramos um belo trabalho, abrangendo desde a análise urbanística e do sistema de transportes com e sem a Estação, um Pré-Projeto arquitetônico e seus impactos urbanos, a definição do sistema construtivo, um pré-dimensionamento de todos os elementos da Estação e uma estimativa de custos.

O Prefeito leu o relatório inteiro, sucinto (apenas 10 páginas), e aprovou a inclusão da Estação. A excelência citada acima chegou a tal nível, que as obras foram contratadas por um valor 5% abaixo do estimado; para um estudo deste vulto, em apenas 4 dias, isto foi considerado “acertar na mosca”.

Minha participação neste trabalho e nesta equipe muito me honrou e me envaideceu.

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Postado por Jasel Neme

14/03/2018

Aprendendo espanhol




Prezados,


Desde criança, por diversos motivos, sempre estive muito próximo da língua espanhola. O Sul do Brasil recebe uma grande influência na linguagem, pela proximidade geográfica, e também histórica, com nossos “hermanos” do cone sul.  
Meu pai, imigrante libanês, morou vários anos no Uruguai (em Rivera, na fronteira brasileira com Santana do Livramento) antes de se estabelecer em Rio Grande. Temos muitos parentes no Uruguai, país que frequento há  anos. Por isto, o idioma espanhol é o que melhor falo depois do português.

Mas quero relatar aqui um fato ocorrido em Buenos Aires, Argentina: fiquei sem saber como atender a um pedido da Olga para fazer uma compra, por não saber a palavra em espanhol. Pedra pome! E agora?

Bem, vamos tentar. Entrei numa daquelas belas farmácias seculares do centro antigo, e comecei: “señorita, por favor, yo quiero una piedra para passar em la piel, en el pié, em las partes mas grosas, para adelgazar la piel. Me entiende, señorita?” A pronta resposta: “si, si, lo entiendo señor; tenemos, si, acá llamamos PIEDRA POME”!!!!!!!! Sem comentários!

Mas acho que o fato faz merecer um conselho: aos novatos em espanhol, não se entusiasmen com a facilidade e a semelhança! 
Não é tudo assim tão óbvio. Por exemplo, “um copo de coca-cola” NÃO É, em espanhol,  “um cuepo de cueca-cuela”!

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13/03/2018

Aula inaugural


               

Prezados!



Para a minha faculdade e a época em que cursei, existiam fatos que, acredito, não mais ocorram atualmente. Escola Politécnica da USP (“Poli”), década de 1960. A figura do “Catedrático” era algo  quase majestático; a história, cultura e tradições imperavam; e a famosa “aula inaugural” de diversas matérias (“cadeiras”) era um ritual, quase um show, marcante e em vários casos inesquecível. 

Muitos “chavões” para favorecer a didática eram utilizados, e ficaram marcados na memória de todos. Em muitas, era o dia de conhecermos o Catedrático que às vezes era alguma figura pública famosa até   fora dos ambientes universitários; a título de exemplo, cito o Prof. Lucas Nogueira Garcez, ex-Governador do Estado de São Paulo, e o ex-Prefeito de São Paulo, José Carlos de Figueiredo Ferraz.

Relato a seguir alguns episódios ocorridos em aula inaugural.

-“Camargão” (José Octávio Monteiro de Camargo), figura quase lendária na USP, misturava a “sua” matemática – Cálculo Integral e Diferencial – com filosofia. Entre muito do que devemos a ele, inclui-se o respeito que o nome “Poli” desfruta nos meios técnicos, e o estabelecimento extensivo a todo o Brasil de métodos de ensino da matéria. 

De sua aula inaugural ficou-nos uma historinha contada por ele: “em visita às obras de uma catedral, vi três pedreiros executando exatamente o mesmo serviço. Perguntei ao primeiro, o que Você está fazendo? Respondeu que “estou assentando tijolos”; ao segundo, à mesma pergunta, respondeu “estou levantando uma parede”; ao terceiro, respondeu “estou construindo uma catedral”. 

Os futuros engenheiros que Vocês serão devem ter esta visão, completa, abrangente, a do terceiro pedreiro, sabendo cada passo e cada tarefa a serem cumpridos e tendo o controle e o conhecimento de todo o conjunto.” História marcante, face o entusiasmo e até deslumbramento dos primeiro-anistas politécnicos.

-Telêmaco Hyppolito de Macedo van Langendonck, gaúcho de Bagé, outra figura lendária, gênio em sua matéria, Resistência dos Materiais. Renomado autor de tratados sobre o assunto, consta que, em visita de estudos à Alemanha, na Universidade de Munich a bibliotecária, sem saber de quem se tratava, ao ser solicitada para fornecer o livro de maior importância sobre a matéria trouxe o de autoria dele. Também consta que, participando de um grupo de consultores para uma análise  de um grave acidente estrutural então ocorrido, ninguem deu seu parecer até ouvir o que disse o Prof. Telêmaco, para então confirmarem sua absoluta concordância com a opinião do mesmo. 

Suas primeiras palavras na aula inaugural: “depois do cão, o concreto é o melhor amigo do homem”. Alguns anos depois, um exemplo claro de amizade que pode virar amor: meu colega de turma e grande amigo Botelho (Manoel Henrique Campos Botelho) lançou um livro, sucesso nacional entre os profissionais, “Concreto Armado Eu Te Amo”, já em avançado número de edições.

-Lucas Nogueira Garcez, grande mestre da Engenharia Hidráulica. A ele devemos respeitados compêndios, utilizados nas universidades em todo o Brasil. Como Governador, deu fantástico desenvolvimento ao plano estadual de eletrificação com as usinas hidroelétricas. Parece que não concordava muito com o Prof. Telêmaco quanto a nossos “melhores amigos”; iniciou sua aula inaugural dizendo: “a água é o maior amigo e o maior inimigo do homem! É nossa amiga como elemento essencial à vida e à higiene, quando aplaca nossa sede, quando faz parte das mais belas paisagens, quando nos dá prazer ao desfrutá-la em navegação, pesca, banhos marítimos, quando gera o conforto e a riqueza por uma usina hidroelétrica; é nossa inimiga quando, poluída, traz doenças e desconforto, quando descontrolada gera inundações, destruições e mortes. Cabe a nós, Engenheiros Hidráulicos, tornar a água sempre nossa amiga.”

-Rui Leme - Prof. Rui Aguiar da Silva Leme, catedrático de Organização Racional do Trabalho. Grande e respeitado nome em sua área de atuação, vários livros publicados. Defendia a criação de um Banco Central, então inexistente e cujas funções eram desempenhadas pelo Banco do Brasil. Suas idéias foram aceitas pelo regime militar, o Banco foi criado, e Rui Leme foi seu primeiro Presidente. 
À época do “boom” industrial decorrente do Governo JK, foi consultor de diversas empresas  estrangeiras ao se instalarem no Brasil. Dizia-nos, então: “para qualquer organização produtiva é essencial analisar, entre outros fatores, quais as características da mão de obra com a qual iremos contar, pois as diferenças culturais são imensamente diferentes conforme sua origem. Por exemplo, vocês NUNCA conseguirão explicar a um alemão o que é o jeitinho.” 
E fazia questão de frizar: não é que não utilizem o jeitinho, simplesmente é impossível que aprendam 

QUE É ISTO!

Estradas: o professor na aula inaugural ensinou a grande lição, que foi sempre lembrada por todos: “para o  projeto e construção de uma boa estrada existem três segredos: drenagem, ........drenagem,............, e, ....................drenagem.”

-Milton Mautoni, professor de cálculo de concreto armado, disse na primeira aula: “entendo perfeitamente vocês, jovens, orgulhosos e entusiasmados por estarem numa faculdade famosa e respeitada. Mas a vivência da Engenharia é bem diferente, certas visões são bem diferentes da de vocês. Por exemplo, o velho mestre de obras irá mostrar com orgulho ao seu pequeno garoto a obra que o papai comanda, e dirá: filho, tá vendo aquele que está cortando e dobrando ferro? Chama-se ferreiro. Aquele que serra madeira e faz uns caixotes, chama-se carpinteiro. Aquele que mistura cimento com areia, pedra e água, chama-se pedreiro. E aquele ali, que não faz nada, chama-se Engenheiro.”

-Paulo de Menezes Mendes da Rocha, catedrático de “Navegação Interior e Portos Marítimos”, na magna aula inaugural, com a presença de dois professores assistentes, Almeida e Célio, discorreu com entusiasmo sobre o assunto. Falou dos portos, rios, canais, navios de grande calado e de pequeno calado, e muito mais. Ao final da aula, os dois assistentes já haviam “ganho” apelidos, graças ao espírito criativo e gozador dos estudantes. Almeida, alto, e Célio, baixinho e mirrado, permaneceram sem falar todo o tempo, acompanhando a dissertação do mestre e passaram a ser, durante o curso, o “grande calado” e o “pequeno calado”.

Passados mais de 50 anos dos fatos narrados, todos os que participaram não esquecem. Aconteceram numa fase de nossas vidas em que, jovens, estávamos abertos para receber uma grande quantidade de informações e de agregar um grande volume de novos conhecimentos. E, com certeza, o time de mestres da Poli, altamente competente, contribuiu muito para este aprendizado.

Presto a todos eles minha homenagem e minha gratidão.

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12/03/2018

Inaugurando meu espaço de partilha.

Olá, amigos e familiares!

Motivado por familiares e principalmente por amigos, dou início a uma nova fase da minha vida.
Envolto por número, cálculos, equações, medidas e relatórios técnicos, os quais aprendi a nadar de braçada, deixo esse conforto e me arrisco a aventura no mundo da literatura.

Vivência e experiências com pessoas de todos os tipos, guardo na memória belas histórias e situações que me ensinaram muito e que gostaria de compartilhar e deixar mais um legado para amigos e familiares.

Confesso um certo receio pela trilha que pretendo seguir mas que muito me anima por ser um novo projeto de vida a desenvolver, contando e escrevendo crônicas e histórias.

Não tenho como caminhar sozinho, portanto preciso do seu apoio e suas contribuições  para que eu possa compartilhar o que tenho de melhor.

Vamos nessa comigo!

Forte e fraterno abraço.