Existe algo que me dá um imenso prazer. Levar parentes e amigos ao
“meu” Rio Grande, conhecer o “meu” Cassino, e muitas vezes fazer uma ida ao
Uruguai, seja um “bate-volta” ao Chuí ou com uma esticadinha a Punta del Este e
Montevidéu. Já fiz isto muitas vezes. No entanto, quase sempre o prazer acima
citado não é imenso, mas apenas parcial.
Por quê? Bem, a região é “zona franca”, com benefícios fiscais; então,
como quase sempre existem mulheres no grupo, o tempo é quase todo dispendido na
prática daquele esporte feminino preferido: compras, compras, compras.

Santa Tereza situa-se dentro de um Parque Nacional, à beira-mar,
maravilhoso, na rodovia Chuy-Montevidéo, a pouco mais de 20km. da fronteira;
San Miguel no sentido oeste, cerca de
15km a partir de Chuy. Na região, muito plana, situam-se estrategicamente em
pequenas elevações, permitindo visão panorâmica de todas as movimentações
militares entre Colônia do Sacramento, Rio Grande (onde existia o Forte
Jesus-Maria-José) e Laguna, em Santa Catarina.
Ao lado desta segunda fortaleza existe um hotel-restaurante, o Parador
San Miguel, visita mais do que obrigatória.
Neste passeio absolutamente TUDO é fascinante: as visões panorâmicas dos
campos, a Arquitetura mesclando pedra, ferro e madeira, o significado e os
detalhes históricos, aliados ao grande carinho com que todo brasileiro é sempre
recebido no Uruguai. São lugares mágicos!
Em meu tempo de estudante na Faculdade, fomos de Rio Grande em um
pequeno grupo almoçar no Parador San Miguel. O almoço demorou algumas horas,
depois emendamos jogando xadrez por outras tantas horas, naqueles corredores
com construção de pedra em arco, apreciando a paisagem enquanto era estudado o
próximo movimento das peças do jogo, até voltarmos para Rio Grande à noite. Um
programa tão singelo, naquele local torna-se mágico e altamente prazeroso.
Por vezes o grupo se divide entre os interesses de cada um: parte fica
nas compras, parte no restante. Na hora do almoço, o Parador San Miguel
concorre em excelência com as diversas “parrillas” com a magnífica carne
uruguaia. Lembro de uma vez em que conseguimos fazer “tudo”, porque a Nani e eu
levamos a Mariana Wajc, sempre grande estudiosa de todos os assuntos, que
interessou-se em conhecer em detalhes toda a região: saímos do Cassino às 6 da
manhã e conseguimos ver as Fortalezas, o Parador, a Barra e algumas praias,
desfrutar um magnífico almoço e fazer shopping à tarde.
Em Chui/Chuy a avenida principal tem uma pista no Brasil (Av. Uruguai)
e a outra no Uruguai (av. Brasil) com dezenas de lojas e um Cassino, modesto se
comparado aos de Punta e Montevidéu, mas, é um Cassino, que qualquer brasileiro
para ir precisa atravessar uma fronteira.
A integração é completa.
Rubens Cunha, grande amigo desde os bancos escolares em Rio Grande;
companhia sempre agradável, espirituoso, inteligente, tremendo gozador, fez uma
sacanagem conosco, seus amigos, e com sua família: privou-nos cedo de sua
presença. Diabético, cedo ficou praticamente cego, frequentava amiúde o Chuí
(com motorista contratado) para abastecer-se de whisky e da deliciosa carne
uruguaia. Já era conhecidíssimo em todas as lojas, açougues e restaurantes.
Abusou na falta de cuidados com a saúde.
Um fato simples, mas que tornou-se pitoresco: em julho de 58, passando
as férias em Rio Grande, um grupo de amigos estudantes do Colégio Lemos Júnior
organizou uma viagem ao Uruguai, fretando um ônibus e indo junto alguns
professores. Fui convidado a ir com o grupo.
Na Fortaleza Santa Tereza o zelador levou-nos a conhecer detalhes e
contar histórias a respeito; patriota e orgulhoso como todo uruguaio exaltava o
grande herói nacional, José de Artigas. Mostrando as dependências, explicava:
“aca Artigas estudiava”, “aca Artigas reposava”, “aca Artigas leia”, “aca
Artigas comandava”, etc... Nossa colega Neide então perguntou: “Señor, por favor, adonde era el bañero de
Artigas?” Foi uma tirada espirituosa simples, mas por ser dita no momento
adequado e na forma como foi, ficou marcada; até hoje, passados quase 60 anos,
sempre que se encontram participantes deste passeio, esta tirada é relembrada
com muito humor.
Recentemente, novembro de2014, resolvi ir a Rio Grande para um jantar
pelo centenário do colégio onde estudei, o São Francisco. Na ocasião descobri
que um grande amigo e compadre, Luiz Fernando Vernalha, possuía uma grave
deficiência: nunca tinha ido a Rio Grande. Resolvi corrigi-la, e ele foi junto.
Ocorreu então algo triste e traumático.
Fomos a Chuí com o carro que havíamos alugado em Porto Alegre. Como foi
decisão de última hora, não fiz a documentação no consulado para autorizar a
entrada (desnecessária quando o carro é próprio); e, por ingenuidade ou excesso
de zelo, parei no posto uruguaio para informar que iríamos somente até a
Fortaleza, a fim de evitar problemas. Fui praticamente assaltado pelo agente,
que me tomou R$150,00.
Para entender o significado disto, esclareço que o Uruguai, chamado de Suíça
Latino-Americana, sempre teve para mim um significado muito especial. Meu pai,
ao vir do Líbano, morou no Uruguai; temos lá muitos parentes queridos; foi um
lugar de muito aprendizado para mim, desde criança; enfim, sempre tive um
carinho muito grande pelo país que era realmente uma “Suíça”, tudo funcionava à
perfeição.
Eu sabia, por noticiários, da decadência a partir dos anos 60. No
entanto, “viver” uma situação como esta me fez lembrar um filme sobre o
nazismo, onde um personagem é assassinado fria e cruelmente por um oficial
nazista, e outro personagem comenta: “você pode saber que existem milhões de
mortes violentas e cruéis pelo mundo, e isto te entristece; mas basta VER
APENAS UMA para você desabar.” Foi o meu
caso no Uruguai; gostaria de ter dito ao Luiz: “não é este o Uruguai que eu
queria te mostrar”. Mas preferi não prolongar o assunto, fiquei no “deixa prá
lá”.
Apesar dos padrões terem melhorado e muitos problemas superados, restam
alguns resquícios dos períodos negros do país.
Continuo tendo o Uruguai como um lugar de honra em meu coração e em
minhas preferências.
Como é bom ter saudades.
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