30/05/2018

Chuí - Parte II



Prezados, 


Existe algo que me dá um imenso prazer. Levar parentes e amigos ao “meu” Rio Grande, conhecer o “meu” Cassino, e muitas vezes fazer uma ida ao Uruguai, seja um “bate-volta” ao Chuí ou com uma esticadinha a Punta del Este e Montevidéu. Já fiz isto muitas vezes. No entanto, quase sempre o prazer acima citado não é imenso, mas apenas parcial.

Por quê? Bem, a região é “zona franca”, com benefícios fiscais; então, como quase sempre existem mulheres no grupo, o tempo é quase todo dispendido na prática daquele esporte feminino preferido: compras, compras, compras.

E ficam prejudicadas as visitas a alguns locais, imperdíveis para mim: a Barra, onde o Arroio extremo sul do Brasil desemboca no Oceano, diversas praias do lado uruguaio, e as duas fortalezas, Santa Tereza e San Miguel. Ambas com história de vários séculos, arquitetura típica da época e elementos fundamentais nas lutas Portugal x Espanha pelo domínio da Região.

Santa Tereza situa-se dentro de um Parque Nacional, à beira-mar, maravilhoso, na rodovia Chuy-Montevidéo, a pouco mais de 20km. da fronteira; San Miguel no sentido oeste,  cerca de 15km a partir de Chuy. Na região, muito plana, situam-se estrategicamente em pequenas elevações, permitindo visão panorâmica de todas as movimentações militares entre Colônia do Sacramento, Rio Grande (onde existia o Forte Jesus-Maria-José) e Laguna, em Santa Catarina.

Ao lado desta segunda fortaleza existe um hotel-restaurante, o Parador San Miguel, visita mais do que obrigatória.  Neste passeio absolutamente TUDO é fascinante: as visões panorâmicas dos campos, a Arquitetura mesclando pedra, ferro e madeira, o significado e os detalhes históricos, aliados ao grande carinho com que todo brasileiro é sempre recebido no Uruguai. São lugares mágicos!


Em meu tempo de estudante na Faculdade, fomos de Rio Grande em um pequeno grupo almoçar no Parador San Miguel. O almoço demorou algumas horas, depois emendamos jogando xadrez por outras tantas horas, naqueles corredores com construção de pedra em arco, apreciando a paisagem enquanto era estudado o próximo movimento das peças do jogo, até voltarmos para Rio Grande à noite. Um programa tão singelo, naquele local torna-se mágico e altamente prazeroso.

Por vezes o grupo se divide entre os interesses de cada um: parte fica nas compras, parte no restante. Na hora do almoço, o Parador San Miguel concorre em excelência com as diversas “parrillas” com a magnífica carne uruguaia. Lembro de uma vez em que conseguimos fazer “tudo”, porque a Nani e eu levamos a Mariana Wajc, sempre grande estudiosa de todos os assuntos, que interessou-se em conhecer em detalhes toda a região: saímos do Cassino às 6 da manhã e conseguimos ver as Fortalezas, o Parador, a Barra e algumas praias, desfrutar um magnífico almoço e fazer shopping à tarde.
 
Em Chui/Chuy a avenida principal tem uma pista no Brasil (Av. Uruguai) e a outra no Uruguai (av. Brasil) com dezenas de lojas e um Cassino, modesto se comparado aos de Punta e Montevidéu, mas, é um Cassino, que qualquer brasileiro para ir precisa atravessar uma fronteira.  A integração é completa.

Rubens Cunha, grande amigo desde os bancos escolares em Rio Grande; companhia sempre agradável, espirituoso, inteligente, tremendo gozador, fez uma sacanagem conosco, seus amigos, e com sua família: privou-nos cedo de sua presença. Diabético, cedo ficou praticamente cego, frequentava amiúde o Chuí (com motorista contratado) para abastecer-se de whisky e da deliciosa carne uruguaia. Já era conhecidíssimo em todas as lojas, açougues e restaurantes. Abusou na falta de cuidados com a saúde.

Um fato simples, mas que tornou-se pitoresco: em julho de 58, passando as férias em Rio Grande, um grupo de amigos estudantes do Colégio Lemos Júnior organizou uma viagem ao Uruguai, fretando um ônibus e indo junto alguns professores. Fui convidado a ir com o grupo.

Na Fortaleza Santa Tereza o zelador levou-nos a conhecer detalhes e contar histórias a respeito; patriota e orgulhoso como todo uruguaio exaltava o grande herói nacional, José de Artigas. Mostrando as dependências, explicava: “aca Artigas estudiava”, “aca Artigas reposava”, “aca Artigas leia”, “aca Artigas comandava”, etc... Nossa colega Neide então perguntou:  “Señor, por favor, adonde era el bañero de Artigas?” Foi uma tirada espirituosa simples, mas por ser dita no momento adequado e na forma como foi, ficou marcada; até hoje, passados quase 60 anos, sempre que se encontram participantes deste passeio, esta tirada é relembrada com muito humor. 

Recentemente, novembro de2014, resolvi ir a Rio Grande para um jantar pelo centenário do colégio onde estudei, o São Francisco. Na ocasião descobri que um grande amigo e compadre, Luiz Fernando Vernalha, possuía uma grave deficiência: nunca tinha ido a Rio Grande. Resolvi corrigi-la, e ele foi junto. Ocorreu então algo triste e traumático.


Fomos a Chuí com o carro que havíamos alugado em Porto Alegre. Como foi decisão de última hora, não fiz a documentação no consulado para autorizar a entrada (desnecessária quando o carro é próprio); e, por ingenuidade ou excesso de zelo, parei no posto uruguaio para informar que iríamos somente até a Fortaleza, a fim de evitar problemas. Fui praticamente assaltado pelo agente, que me tomou R$150,00.

Para entender o significado disto, esclareço que o Uruguai, chamado de Suíça Latino-Americana, sempre teve para mim um significado muito especial. Meu pai, ao vir do Líbano, morou no Uruguai; temos lá muitos parentes queridos; foi um lugar de muito aprendizado para mim, desde criança; enfim, sempre tive um carinho muito grande pelo país que era realmente uma “Suíça”, tudo funcionava à perfeição.

Eu sabia, por noticiários, da decadência a partir dos anos 60. No entanto, “viver” uma situação como esta me fez lembrar um filme sobre o nazismo, onde um personagem é assassinado fria e cruelmente por um oficial nazista, e outro personagem comenta: “você pode saber que existem milhões de mortes violentas e cruéis pelo mundo, e isto te entristece; mas basta VER APENAS UMA para você  desabar.” Foi o meu caso no Uruguai; gostaria de ter dito ao Luiz: “não é este o Uruguai que eu queria te mostrar”. Mas preferi não prolongar o assunto, fiquei no “deixa prá lá”.

Apesar dos padrões terem melhorado e muitos problemas superados, restam alguns resquícios dos períodos negros do país.
Continuo tendo o Uruguai como um lugar de honra em meu coração e em minhas preferências.

Como é bom ter saudades.

Encaminhe seus comentários.

22/05/2018

CHUÍ - Parte I


Prezados,


“Do Oiapoque ao Chuí”.  Este bordão está tão incorporado em nossa língua (...)  brasileira que, mesmo tendo deixado de ser verdade, segue altaneiro na memória de nossa gente, no uso dia a dia, nas conversas, na imprensa, etc. Convém lembrar que o extremo norte deixou de ser o rio Oiapoque, no Amapá. Agora é um monte em Roraima.
Curioso! Por que não se fala “da Ponta Seixas ao...”? Os extremos leste-oeste parecem não importar a ninguém!

E por que quero falar do Chuí, sendo dos quatro pontos o único extremo geográfico verdadeiro e de uso corriqueiro? Porque tem muito a ver comigo, com minha história de vida.

Começa que sou um sulista muito sulista, na imensidão do Brasil nasci a apenas 250 km de lá. Menos do que a distância à “minha” capital, Porto Alegre. Frequento e frequentei muito, desde criança. Nasci em outro extremo, este histórico: sou “papareia”, de Rio Grande, a gloriosa “São Pedro do Rio Grande do Sul”, onde se iniciou a colonização do estado. E também porque entendo que existem aspectos diversos, físicos, culturais, históricos, que valem a pena serem compartilhados.

Começo pela lembrança remota, de criança, da “rodovia” ligando as duas cidades.  Estrada de terra, tão esburacada que o odômetro marcava muito mais do que os 250 km. Porque a viagem era em “zig-zag” para desviar dos buracos maiores e pelos milhares de pequenos aumentos de percurso por cada buraco que as rodas “percorriam”.

Afora este desconforto, o trajeto era fascinante. A imensidão dos campos com todos os tons de verde na planura total da região nos dá uma sensação de infinito. Os animais no pasto e a maravilhosa passagem por uma das mais belas obras de Deus e que felizmente está muito bem preservada, a chamada Estação Ecológica do Taim, também conhecida como “Pantanal Gaúcho”, onde a velocidade é obrigatoriamente reduzida.

Hoje a rodovia é asfaltada, com grandes e monótonos retões, mas a beleza da região segue intocada.
Esta, no entanto, não é a única via de ligação terrestre. A outra, utilizada desde sempre, é a imensa praia, contínua desde a entrada do  canal da barra de Rio Grande (canal que liga o Oceano Atlântico à Lagoa dos Patos) até o arroio Chuí, com cerca de 230 km de extensão.


Os veículos trafegam à beira-mar, onde a areia é lisa e dura, permitindo velocidades acima de 100 km/h. No entanto, a passagem pela praia não é livre de forma contínua. Depende de diversos fatores físicos, como ventos, chuvas, marés, conformação das dunas, etc.

A região é riquíssima em piscosidade, e os pescadores sempre foram os grandes conhecedores das condições de tráfego e da previsão para as horas seguintes. Os leigos (como eu), antes de se aventurarem, consultavam os pescadores no chamado “Barracão”, onde sempre eram encontrados. Este percurso ainda continua sendo absolutamente deserto em cerca de 200 km.

Existem vilas apenas nas  proximidades dos extremos: a Praia do Cassino, no Município de Rio Grande. Hermenegildo (Hermena, para os íntimos), no Município de Santa Vitória do Palmar, cerca de 15 km antes da divisa Brasil-Uruguai e a Barra do Chuí, no Município de Chuí, que há alguns anos era parte de Santa Vitória.

Nós, os rio-grandinos (da cidade de Rio Grande, diferente de rio-grandenses, do estado) falamos com muito orgulho de nossa “Praia do Cassino, a maior do mundo em extensão”. O Guinness, em suas listas de recordes, confirma esta condição. Existem divergências, ora pelos vizinhos do Hermena/Santa Vitória, ora por parte de meu prezado amigo e competente jornalista e historiador Willy Cesar, tentando “desconstruir mitos” sobre Rio Grande. Que vença a verdade, apesar de minha vaidade “papareia” preferir a versão Guinness!

Tenho algumas experiências vividas nos dois percursos.   Carro atolado é a mais comum.  Frequentei muito nossa praia o Cassino, mesmo antes de termos casa própria lá (apesar de um terreno adquirido em 1953, “virou” casa somente em 1981, graças ao nascimento de nossas filhas Cibele e Nani, providenciada pelos avós para combater a “concorrência” das praias catarinenses nas férias de verão).

Os 23 km Rio Grande-Cassino eram vencidos ora por trem, por ônibus ou pela poderosa Raleigh, nossa velha bicicleta, sempre com uma turminha do Colégio São Francisco. Numa dessas decidimos “esticar” até Chuí, via praia. Acampamos por uma noite, com barracas, e assistimos a um espetáculo de grande beleza. Em região completamente deserta, surgiu um grupo religioso tipo macumba, com música, canto, danças e iluminação por fogueiras. O efeito do contraste com o mar, a luz do luar e a imensa praia é magnífico e indescritível.

Quando mudei para São Paulo, como aluno interno no Arquidiocesano, fiz como trabalho de Português uma redação com o relato desta história. Quando a ALAEP, a academia literária do colégio, fez um concurso para novos membros, não cogitei de me inscrever, mas o Irmão Ático Rubini disse que eu deveria fazê-lo. Retruquei que não tinha nenhum material feito para a chamada “defesa de tese”, e ele disse para colocar a redação acima citada. Até me transformou num “gênio” que nunca pensei ser, graças ao título.

Eu havia colocado “Pedalando pelas praias sulinas”, que ele considerou genial, pois o ato de pedalar representa uma repetição que eu já coloco no título, ao usar três palavras iniciadas com “P”. Estes literatos pensam cada coisa...

Uma vez fomos passear e visitar parentes no Uruguai, via praia; estavam minha mãe, meu irmão Camil, o José Curi (“Zé Coruja”), e um parente do Líbano em visita ao Brasil, Georges Nassar (ou Jorge);  este era um intelectual, filósofo, escritor. Às 7 da manhã o pescador nos indicou bom caminho por cerca de 3 horas e meia, suficiente para chegarmos ao Chuí.

Depois teria mudança de vento, viria o temido vento sul, e chuva. Mas, sabe o garoto que nos oferece amendoim grátis na mesa do bar frente à praia, para depois voltar vendendo? A natureza exuberante fez isto conosco! Ofereceu uma praia maravilhosa, infinita, muito sol, só nossa com seus cerca de 200m de largura e muitos km de extensão, algo absolutamente novo e fascinante para um libanês. Impossível resistir! E impossível acreditar no que o pescador havia dito, mesmo sabendo de sua competência e conhecimento. Foram banhos de mar deliciosos, uma festa para o primo visitante.

Resultado, o previsto: chegou o temido vento, a chuva, o fim da faixa de praia trafegável, o carro sendo “empurrado” para as dunas; era um carro americano, Lincoln Continental 49, feito para as rodovias americanas, com o padrão Ford da época, distribuidor “lá em baixo”, que logo molhou-se e o carro pifou. Por sorte achamos, não muito longe, um ermitão vivendo isolado, com um carro dos anos 20, sem os pneus; recolocou-os, pediu um absurdo de dinheiro para nos rebocar até o Hermena, e lá fomos.

Uma imagem cômica, um carro com mais de 30 anos de idade rebocando um “novíssimo” de apenas 9 anos. No Hermena ficamos numa pousadinha bem primitiva, pois o mecânico só iria atender no dia seguinte. Uma festa para o Jorge, que entre outras peripécias barbeou-se usando a cristalina água do córrego como espelho!

Voltando ao Líbano, publicou um artigo em revista de grande circulação, narrando o ocorrido com muito entusiasmo, sob o título “Une aventure au  Sud du Brésil, sur la côte de l´Atlantique” – Uma Aventura no Sul do Brasil, na Costa do Atlântico.  

Essas e outras lembranças continuam na próxima postagem (CHUÍ - Parte II)

Acompanhe e deixe seus comentários.

09/05/2018

Japão - Preparativos



Prezados,


Passar mais de dois meses no Japão efetuando contatos técnicos e estudos de Engenharia foram uma das melhores experiências que um profissional pode ter. Eu tive esse privilégio, viajando a serviço da Cia. do Metrô de São Paulo.
Ao enriquecimento técnico soma-se uma imensa experiência de vida, como resultado do  conhecimento e convivência com um povo que conseguiu de forma invejável unir sua cultura milenar com um fantástico desenvolvimento tecnológico e econômico, sem perder seus valores e suas tradições.

E isto ocorreu em uma época – década 1970 – em que o mundo ainda não era globalizado como hoje. A “aldeia global” de Marshall Mc Luhan ainda era quase uma ficção e, portanto, o conhecimento sobre o Japão aqui no Brasil era muito limitado. Fui, na verdade, para “outro lado do mundo”.
Minha relação com Metrô de São Paulo é muito anterior ao meu ingresso na Companhia. Sempre tive interesse no assunto, li e estudei muito, até no início das obras da primeira linha. Eu compareci na atual Estação São Judas, cerca de três anos antes de iniciar na Cia. em 1971.

À época eu conhecia todos os projetos propostos anteriormente para implantação do sistema metroviário em São Paulo. Fui “descoberto” pelo Eng. Walter Nimir e convidado para a função de Analista de Projetos na área de estruturas. Sendo uma empresa estatal nova, apesar de muito bem estruturada tinha uma deficiência técnico-operacional: as diversas áreas técnicas especializadas trabalhavam de forma autônoma e quase estanque. Por minhas características pessoais de forma de atuar fui automaticamente e, face à necessidade, “invadindo” e efetuando a coordenação de várias áreas. Outro colega, Eng. Elias Guerra, tinha característica semelhante e logo tornou-se evidente a necessidade de criação formal do cargo de coordenador cujos primeiros ocupantes fomos nós dois, Guerra e eu.

Em 1975 a Companhia recebeu um convite do Governo Japonês para indicar um participante para um curso-estágio sobre Engenharia Metroviária e que fez o mesmo convite para o Metrô do Rio de Janeiro, então em fase inicial de implantação.

Nesta época o Metrô de São Paulo já tinha dispensado a assessoria feita na primeira linha pela HMD, consórcio de empresas alemãs com uma brasileira, e a engenharia brasileira assumiu a implantação das linhas seguintes. Isto gerou um grande investimento em formação e treinamento para os técnicos da Companhia, levando a uma grande convivência com os metrôs de muitos países. Então fui indicado para o Japão, assim como o foi o Eng. Adhemar de Mesquita Rocha pelo metrô do Rio de Janeiro. Obviamente minha função de coordenação teve influência direta nesta escolha.

Comunicado de minha indicação, de início recusei a missão. Olga e eu estávamos em um momento traumático, há menos de um ano nossa primeira filha havia falecido com apenas 1 dia de vida e por isto não quis deixa-la por quase 2 meses. Comuniquei a direção e minhas razões foram bem aceitas e com muita sensibilidade. O período previsto para essa missão seria de 58 dias.

Como os Diretores a época consideravam muito importante minha participação, foi feita uma extensão para algumas visitas técnicas complementares, o que superou 60 dias de permanência.  Pelas normas da Companhia, que eu desconhecia, este período dava direito a acompanhante com os custos pagos. Além do Presidente Plínio Assmann e de Diretores, teve influência notável nesta indicação meu superior hierárquico imediato, Antônio Maria CLARET Reis de Andrade.

Aproveitando o bilhete aéreo pela JAL, Japan Air Lines, pagando uma pequena diferença de tarifa alterei o roteiro de volta e paramos em várias cidades. A ida foi via EUA e Oceano Pacífico e a volta, via sudeste asiático e Europa.

Foram cerca de quatro meses de preparativos. Entre muitas providências preliminares, aí vão algumas:
-Cursinho: a Olga frequentava então o preparatório para o vestibular. Desistiu, abrindo mão do contato diário com professores marcantes que formavam a brilhante equipe que o Curso Objetivo havia montado. E a Medicina, com certeza, perdeu uma futura excelente profissional.

-Speak English: a língua oficial dos contatos seria o inglês, do qual eu possuía então um conhecimento basiquinho, aquele estudado no colégio e um pouco aprimorado com leituras técnicas e literárias e  com filmes. Fiz um curso com fitas cassete, emprestado pelo colega do Metrô e bom amigo Damer Tufaile, o Dinamic English Course. Foi muito proveitoso, ensaiei e aprimorei muito com as fitas gravadas. (NB: não sou  propagandista nem vendedor de curso de inglês com fitas.)

-Jorge Yamashita: engenheiro na Cia. do Metrô, figura ímpar. Nissei, tem um conhecimento global sobre o Japão que supera o dos próprios nativos. Foi programado para estarmos juntos lá por um período menor que o meu, para visitas e estudos sobre um método construtivo específico para túneis, o “shield”, popularmente conhecido como “tatuzão”. Já havia estado lá diversas vezes, fala e escreve correntemente o idioma, no qual até compõe poesias, e lá pronuncia palestras, recebe homenagens, e muito mais. Foi meu professor de história, cultura, usos e costumes, e alimentação com aulas práticas em restaurantes no bairro da Liberdade, onde se concentram as colônias japonesa, coreana, chinesa e afins.

-Graças às “aulas” do Yamashita, soube do uso intensivo de troca de cartões de visita. Ao conhecer alguém, não é usado o aperto de mãos, mas uma rápida e leve inclinação e a troca de cartões; é dado com a mão direita e recebido simultaneamente com a esquerda. Levei 500 cartões em português e inglês, mas foram insuficientes. Precisei imprimir mais por lá.

-Tadashi Nakagawa: metroviário, bom amigo, brilhante engenheiro na área eletro-eletrônica, fez estágio antes de mim pelo mesmo órgão do Governo Japonês, a JICA. Ilustrou-me com informações e detalhes fundamentais.

-Super Eva: secretária em nosso setor na Companhia, era famosa por sua eficiência, aliada a uma grandeza humana fascinante. Preparou-me um material para viagem fantástico, completíssimo, cobrindo todas as minhas necessidades e imprevistos.

Para cada país e cidade visitados, tinha todas as informações para comunicação via telefone e telex, todos os contatos bancários, todos os consulados e embaixadas brasileiros, e muito mais! A Eva foi a responsável pela tranquilidade e sucesso desta viagem; tudo foi perfeito.

Tudo preparado, no último fim de semana, antes de viajar, fomos a Rio Grande para nos despedirmos de meus pais e irmãos, e receber orientações sobre os parentes a serem visitados no Líbano, parte do roteiro de volta. Um dos pedidos, do meu pai causou forte emoção em todos. Ele havia saído do Líbano há mais de 60 anos, e não retornou nenhuma vez.  Então solicitou que trouxéssemos, da casa onde ele nasceu e morou, uma fruta que daria na época em que estaríamos lá, além de um pouco de terra e pedras do quintal para colocar em seu caixão quando viesse a falecer.

Com tudo pronto, fomos para o embarque no dia 23 de junho em Congonhas. A época não existia o Aeroporto de Guarulhos (apenas Cumbica, para operações militares). Uma viagem ao Japão, então, era tão rara que familiares e amigos, cerca de 30 pessoas, estavam no aeroporto para as despedidas. Ali começava uma experiência profissional e de vida inesquecíveis.

Que saudades!

Encaminhe seus comentários.